segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

MÁRTIRES INOCENTES

Leonardo Sampaio
Hoje domingo, 29 de dezembro de 2013, é dia da memoria dos Mártires Inocentes, data em que se homenageia todas as crianças que foram assassinadas a mando de Herodes. Tudo isso se deu por causa do filho do casal José e Maria que foi dado o nome de Jesus, e que seria considerado o messias. Quando o Rei Herodes tomou conhecimento, reuniu os sacerdotes para saber onde ele havia nascido e todos afirmaram que foi na cidade de Belém na Judéia, como havia afirmado a profecia na terra de Judá.(mts 2.3-6). A matança das crianças se deu quando alguns magos do Oriente chegaram em Jerusalém e perguntaram: Onde esta o recém-nascido rei dos Judeus? Nós vimos a sua estrela no oriente e viemos para prestar-lhe homenagem.(mts 2.1-2). Essa conversa deixou o Herodes enfurecido, aí tentou subornar os magos mandando eles irem até Jerusalém investigar o lugar exato onde estava o menino, mas os magos encontraram outro caminho seguindo a estrela guia e assim ludibriaram o rei e esse quando se viu enganado determinou que todas as crianças de Belém e arredores com idade até dois anos seriam mortas.(mts 2.16). A intenção era que nesse meio Jesus fosse atingido, porque jamais iria admitir que alguém viesse para tomar seu poder. Não deu certo porque o casal José e Maria estava bem informados e voltaram para Israel, em seguida migraram para a Galiléia e tiveram de fugir para o Egito, país do continente africano onde nasceu Moises que lutou durante quarenta anos junto com um grupo de pessoas escravizadas em busca da terra prometida e foi ali no Egito que a família de Jesus Cristo foi acolhida pela comunidade e viveram lá naturalmente como cidadãos até a morte do rei Herodes e sua turma. Depois retornaram para a região da Galiléia e foram morar na cidade de Nazaré e assim Jesus escapou de ser morto quando criança.
Essa história me veio à mente hoje cedo, porque me lembrei de ontem 28/12/2013 quando estava no ensaio do Pastoril que conta a história do menino Jesus e do Reisado que conta a história da visita dos reis magos ao menino Jesus. O ensaio era no ESCUTA – Espaço Cultural Frei Tito de Alencar, nome que homenageia um jovem mártir da Ditadura Militar do Brasil. Mais o que me chamou atenção, foi quando ao final do ensaio chegou uma menina anunciando que viera só justificar porque não estava no ensaio, é que dois adolescentes foram assassinados próximo a sua casa e que os assassinos vieram para matar seu irmão, como não o encontraram atiraram em outros adolescentes, por isso, ela e toda a família se sentiam ameaçadas. Nessa ocasião ouvi um relato de outra criança, dizendo que as meninas da Fumaça estão proibidas de namorar com meninos da Entrada da Lua e vice versa, segundo ela quem entrar em qualquer um dos territórios será assassinado. Aí lembrei que essa situação de rivalidade entre essas duas comunidades já existiu na década de 1980 e só acabou quando dois jovens Antônio e Gilmar criaram a Quadrilha Junina TOMGIL (dos nomes Antônio e Gilmar é que gerou TONGIL) e a parir daí os jovens das duas comunidades passaram a dançar juntos, namorar e casar. Por coincidência ou destino, parei de escrever esse texto no primeiro parágrafo e fui à Entrada da Lua para o velório de uma amiga e assim que cheguei, encontrei um dos dançarinos da época, ai falei: cara, está voltando aquela rivalidade de violência, então ele começou a me contar como era a situação dele naquela período, disse que ia pra casa da namorada com um revolver na cintura e escondia no telhado da casa da namorada que a casa era baixa e isso só teve fim quando os dois começaram a dançar na Quadrilha lá na Fumaça, aí os outros jovens os acompanharam. Ele findou a história contada em poucas palavras, preocupado, porque esta percebendo a volta de um ambiente de rivalidade e que o Planalto do Pici está muito violento, só nesse sábado 28/12/13, no período da tarde, houve três crimes de morte com adolescentes da comunidade.
Ao escrever essas duas histórias, lembrei também dos relatos das crianças na escola onde trabalho como professor, bem próximo a praça da juventude no Henrique Jorge. São raras ouvi das crianças história sobre coisas boas de acontecimentos nessa comunidade, sempre seus relatos estão ligados a violência com assassinatos, tráfego de drogas e o pior, os personagens e vítimas são familiares delas. Uma chega e diz: meu primo na semana passada foi assassinado e nesse final de semana foi meu tio, outras lembram: meu irmão foi assassinado, minha tia foi morta a bala, meu pai está no presídio, meu irmão foi preso por assalto, meu primo foi flagrado com uma arma e está preso, minha família esta escondida e saiu do bairro porque vieram pra matar meu irmão, não encontraram, agora qualquer um de nós pode ser alvo das balas, ontem mataram um jovem na minha rua, meu pai sofreu um atentado de vários tiros felizmente não acertaram, hoje estou triste porque minha mãe está foragida, no final da tarde mataram um bem ali, dois amigos foram assassinados na minha rua porque estavam assaltando, uma mulher foi assaltada na calçada da escola.
Diante de tudo isso, fico refletindo, nos cobram qualidade de ensino, mas não oferecem qualidade de vida a nossas crianças e seus familiares, aí me pergunto: Como essas crianças conseguem aprender tantas disciplinas escolares, chegando à escola de um ambiente desse? Na verdade fazemos o milagre acontecer. Até as crianças que não vivem na família esse clima, sentem o sofrimento das amigas e amigos da escola, sala, em trabalhos coletivos e tornam-se solidárias. Convivemos com crianças meigas, carentes de afeto, mas também rebeldes, quase sempre indisciplinadas, que às vezes tem como referência na vida, alguém que vive fora da lei, mas possivelmente um dia lhe fez carinho. Jesus Cristo buscou essas pessoas, para ajudá-los a se libertar de todas as formas de opressão, eram esses os seus preferidos. Quem se achar seguidor, que faça o mesmo, porque do contrário serás fariseus.
Todas essas histórias têm também algumas coincidências bastante visíveis. a) Jesus com sua família foi se refugiar na África; b) Os jovens e crianças vítimas da violência nessas duas outras histórias de Fortaleza – Ceará – Brasil, são em sua maioria afrodescendente; c) Em todas as três histórias, são pessoas pobres, humildes que sofrem perseguições dos poderosos, dos governantes que lhes negam terra pra trabalhar, morar e viver dignamente; d) Portanto são histórias de um mesmo povo.
Ser seguidor de Jesus Cristo é ter a coragem de enfrentar todos os poderes que oprimem, é combater os opressores e continuar a luta do Cristo Libertado por direitos iguais, com justiça, amor e fraternidade.
Muitos rezam em nome de Jesus e nada fazem pela libertação da humanidade, isso não é cristianismo e sim interesse próprio.

O sistema de injustiça institucionalizada pela globalização é o Herodes de hoje.

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