CADERNO DE POESIAS




Caderno de poesias





POEMAS DA MINHA TERRA

DO VAQUEIRO ABOIADOR

DE ONDE CANTA O SABIÁ





Leonardo Sampaio
Educador Popular









POEMAS QUE ME RODEIA DESDE A INFÂNCIA

O mundo da poesia,
Rodeia-me desde a infância,
Porém não conhecia,
A veia que circulava,
E só quando distante escrevia,
Minha mãe reconhecia,
O poema que ali estava.

 18/12/2006



Minha mãe


Oh! mãe!
Quanto é belo falar esse nome.
Não resisto neste dia, oh mamãe!
Um minuto sem você.
Segundo Domingo de maio,
Sinto saudades quando distante,
Mas sinto alegria, por saber que você existe.
Minha alegria seria maior
Se não deixasse de existir.
Porém,
Você existe mamãe!
Você existe porque tiveste uma mãe,
E sem mãe, não seriamos ninguém.
Distante de você, pelo espaço geográfico que nos separa,
Sinto a falta dos seus carinhos,
Mas sei que você existe.
Porque sinto a sua presença,
Em meu peito, no fundo do coração,
E você é como um pomar,
Que muitos frutos e flores criastes.
E hoje,
Conservas nas suas orações.

Leonardo Furtado Sampaio
1972 - SP

VIDAS DE AMOR E ORAÇÃO
Eu vi a luz do mundo,
Feito com amor e carinho,
Em meio a natureza,
Com aroma da flôr do Marmeleiro,
A folha do Matapasto,
Da beleza do calango,
E do pulo do Preá,
O mundo da Gangorra,
Da sombra do Juazeiro,
O mundo que vi e vivi,
Que veio da luz de um ventre,
Com raios do Espírito Santo,
E um Deus verdadeiro,
Que na terra revolucionou,
Almas, corações e mentes,
Desmascarando hipócritas,
E anunciando justiça,
Amor e fraternidade
Assim aprendi a lição,
O catecismo e a revolução,
Mas isso só foi possível,
Por que foi construída,
Por vidas de amor e oração,
De São Pedro à Milagres,
Dezoito forma a família,
Entre irmãos e irmãs,
Dezenas são outras gerações.

Leonardo Sampaio

INFÂNCIA, SAUDADE E DOR


Grande dor eu senti no peito,
Lágrimas dos olhos caíram,
Uma saudade no coração percorreu,
Era uma grande tristeza,
Um soluço cortando a voz,
Um nó na garganta,
Uma tristeza pra todos nós.

Uma nuvem passava na mente,
Trazendo minha infância de volta,
Buscando recordações,
Fotografando imagens,
Da cela, da perneira e do gibão,
Da esteira, da  espora, do peitoral e do cavalo azulão,
Do touro, da vaca, do bezerro e do novilho.

Eu recordo!
O alto da capivara, o baixio, o algodão, a capoeira,
Onde o vaqueiro destemido pegava boi,
Montado em seu cavalo alazão,
Que o mesmo fim triste levou,
Sangrado por uma estaca,
Fincada no coração.

Meia branca era um burro,
Xotam, mas corredor, que de velho se foi,
Subia e descia ladeira da serra do ouricuri,
Até fazer o vaqueiro torcer o rabo do boi.

Poraquê era um animal,
Preparado pra pegar boi,
Nas festa de apartação,
E na mata chegava junto,
De qualquer boi barbatão.

É, assim que me recordo,
Do nosso grande vaqueiro,
Um homem justo e cavalheiro,
Conhecido em todo terreiro.

Nas terras dos fazendeiros,
Sempre foi um grande companheiro,
Homem bom e justiceiro,
E foi assim o grande vaqueiro.



Conversando com seu Dudé lá no Céu


A onde você estiver
Neste mundo infinito
Lembrarás o tronco jequé

Porém, tu não perdeu
Devido a tua fé
Deus te acolheu

Sei que não me esqueceu
Daqui eu recordo-o sempre
Desde que você morreu

Mas Deus sabe o que faz
E lhe levou deste inferno
De onde não há a paz

Nesta angustia lembro seu nome
Olho a sua geração
Vejo o sofrimento com alguns passando fome

É uma guerra constante
A violência é quem reina
Matando a todo instante

São muitas as violências
Que surgem aqui na terra
Mas a pior são as inconsciências

Tudo isso acontece
Em um mundo de egoístas
Onde o pobre é quem padece

Pois o pobre é tratado, igual a jumento
Que anda pelas estradas
Mendigando alimento.

Come o que encontrar
Saindo do campo pra Cidade
Pra poder se alimentar

Está assim, aqui na terra
E você perto de Deus
Peça a ele o fim da guerra.

Já não podemos mais agüentar
Rogue a ele por nossa vida
Que aqui nós vamos lutar.

Você aqui foi homem bravo
Que lutou até o fim
E nunca aceitou ser escravo.

Trabalhava na enxada, sentava na calçada
Pegava boi nas caatingas
E ainda dava uma caçada.

Hoje não há mais caça
E nem os velhos costumes
A natureza esta virando uma desgraça.

Não queira voltar pra ver
Tudo está diferente
Você vai muito é sofrer.

Cavalo hoje é inviável
Nem capim existe mais
Só se anda é de automóvel.

Até as vacas no caminho
Agente não encontra mais
Porque a meninada bebe hoje é leite ninho.

Até o pobre jumento
Os japoneses levaram tudo
Para servi-lhes de alimento.


HOMENAGEM AO VAQUEIRO DUDÉ

A dor que dói no meu coração

É uma dor de tristeza e saudade
Uma saudade, que me dá aflição
Há dúvida, se Dudé morreu de verdade,
O rei da mata, do cavalo e do gibão.
O seu corpo pode ter perdido a vida,
Mas seu talento pendura em meu peito,
Do seu corpo não encontro mais saída,
Mas, do vaqueiro encontro uma imagem perfeita.
Um nó na garganta me fechou,
As lágrimas dos olhos saíram,
No meu peito uma dor apertou,
As abelhas também me feriram.
Essa era a sensação que eu sentia,
Com a notícia da morte do vaqueiro,
Os olhos escureceram,
Não sabia se era noite ou dia
E os meus nervos, ficaram em desespero.
O sertão inteiro chorou,
Dos amigos a saudade e o luto
E nas fazendas que trabalhou
Está plantado seu estatuto.
Estatuto de homem forte e lutador,
Que de tudo enfrentou
E nada lhes fez temor,
Até o dia em que tombou.
Há dias em que recordo,
Deste grande amigo meu,
Num sonho as vezes acordo
E não acredito que ele morreu.
Me lembro da minha infância,
Com grande recordação,
Eu e ele em cantoria
E o gado em badalação,
E assim eu crescia

Na capoeira e no algodão,
Bebendo água em bacia,
Junto ao seu cavalo alazão.
Na frente do alazão,
Não corria boi,
Nem barbatão,
Mas este, também se foi
O seu cavalo alazão,
Enfiado em uma estaca,
Bem em cima do coração.
Lembro também o meia branca,
Que era um burro poltrão,
Valente e bom de tranca,
Na mata e no algodão.
Outro cavalo valente,
Era o chamado puraqué,
Esse pouca gente
Lhe encostava no jequié.
Tinha o burro castanho,
Este muito ligeiro,
Só tinha pouco tamanho
Mas chegava com o vaqueiro.
De outros não lembro mais,
Porque daí distanciei,
Mas aí ficaram meus pais
Que com eles recordei.
E nas terras onde passei,
Vi, que nós todos somos iguais
E que um dia partirei
Como todos demais.
Por isto, grande Dudé,
Sinto tua presença,
Como vaqueiro de fé,
Junto a tua família,
Nas novenas de São José.
Assim fica a lembrança,
Nestes versos em poesia,
Do tempo que fui criança,
Até horas deste dia.


Leonardo Furtado Sampaio
Escritor, poeta, educador e pesquisador popular.


Os campos se alastram pelos os sertões,
As matas virgens desaparecem,
Ao longo das nossas vistas,
Já vemos pastagens pro gado.

Na extensão, de léguas e mais léguas,
Avistamos os campos livres,
Onde o gado no inverno é solto,
Para comer a rama nova que nasce.

E nas grandes fazendas,
Se reúnem a vaqueirama,
Para tangerem o gado,
Pra roça e para catinga,
Levando nos alfogens,
A boa fartura de queijo,
Farinha, carne assada e rapadura.

O clima é de alegria,
No meio da vaqueirama,
Onde rola muita união,
Esperança e solidariedade,
É riso e prosa pra todo lado.

Na hora de trabalhar,
Todos vão para o curral,
Pra conhecer a boiada,
Ferrar e por o chocalho.

Com o sussurro dos pássaros,
E a beleza verde da rama,
Saem pelos caminhos,
Em rumo a mata virgem.

Os chocalhos vão entoando,
Com o balanço dos badalos,
O canto do vaqueiro,
E o aboio que encanta,
A filha do fazendeiro.

Os cavalos e burros,
São todos enfeitados,
Com belos arreios de couro,
Feitos pelo o artesão,
Com todo capricho na mão,
Fazendo com que o animal,
Pouse de bonitão.

Chegando na grande mata,
O gado fazendo a festa,
Se alegra comendo a rama,
Urgindo e frigindo a testa.

Os vaqueiros se despedem,
Marcando a data da volta,
Pra quando o gado estiver gordo,
Folgoso e conhecendo a terra.

Aí é que a coisa pega,
Pois o boi não quer voltar,
Quando ver gente se assusta,
Partindo pra outro lugar.

O vaqueiro experiente,
Traz com ele um cachorrinho,
Para acompanhar o boi,
Enquanto ele segue o rastro,
Montado em cavalo ligeiro,
Vai encostando no bicho,
Colando no seu traseiro,
Enrolando o rabo na mão,
Até dominar no chão,
Ou no tronco do pau pereiro.


HOMENAGEM AO VAQUEIRO DUDÉ, FEITA PELO SEU FILHO

Antônio Nonato ( Totó )

Hó! Maldita italiana, por que mataste meu pai?




I


O meu pai foi buscar
Em uma Segunda-feira
Uma lenha na carreira
Para o feijão cozinhar
Mas tinha um enxame lá
Como diz eu lhe atraí
Você hoje daqui não sai
Ainda morre esta semana
Hó! Maldita italiana,
Por que mataste meu pai?

II


Eu acho que a morte malvada
Pra ela não tem estudo
Mas Deus é quem sabe tudo
Nós não sabemos nada
Há tanta gente safada
Do Brasil ao Paraguai
Ela, atras desses não vai
Vem buscar pessoa humana
Hó! Maldita italiana,
Por que mataste meu pai?

III


O seu rosto estava igual
Do nariz aos sobranceiras
Vomitou muitas abelhas
No leito do hospital
À noite passando mal
Quase que da cama cai
Pra o reino da soberana
Hó! Maldita italiana,
Por que mataste meu pai?

IV


Da morte ninguém se esconde
As vezes fico pensando
Muitas vezes perguntando
E ninguém não me responde
Chego no lugar aonde
Ele deu sei último ai
Nada, nada me distrai
Eu choro toda semana
Hó! Maldita italiana,
Por que mataste meu pai?

V


Viu que não ia escapar
Se escorou nos coxilhos

Deu adeus aos onze filhos

A sua esposa e seu lar
Quase sem poder falar
Disse ó Deus, não me castigai
Ao contrário abençoai
Meu povo e minha choupana
Hó! Maldita italiana,
Por que mataste meu pai?

VI


Foi vaqueiro de voz linda
Nunca pensou em troféu
Deus dei-lhe o reino do céu
Se lá não estiver ainda
Minha lembrança não finda
E a minha pergunta vai
Ó Cristo no céu botai
Quem teve morte tirana
Hó! Maldita italiana,
Por que mataste meu pai?


A vida no campo, em tempos de engenhos.

As fazendas se alastram de sertão a dentro,
constituídas de diversos tipos de paisagens,
caatingas, matas virgens, capoeiras e o algodão,
capim alpiste, capim de burro e de planta.
O capim é verde em terras de baixio,
onde se formam as vazantes,
em que pastam os animais,
são chamados animais de cela, de carga, ou pra tanger gado,
são sempre gordos e conservados
para agüentar viagens, peso, ou pega de gado.

Os latifundiários são donos de extensas áreas de terras,
onde mantêm os moradores,
fazendo o cultivo do milho, feijão, arroz e a cana-de-açúcar.
Nos engenhos fabricam a rapadura e a cachaça.
Os meios de transportes é o burro, o jumento e o boi.

Os instrumentos para transportar cargas
é  o carro de boi, o couro cru,
este, é arrastado pelo boi manso,
cheio de bagaço de cana,
é levado para um terreno e ali vai se acumulando o bagaço
até formar uma grande bagaceira,
lá, as crianças brincam de pega, de se esconder, de trisca, e etc.
outros instrumentos são: a cangalha, os cambitos e os caçoas.

Os costumes pela manhã ,
é tomar garapa de cana,
levar mel em cabaça,
fazer alfenim e batida.

No fim da tarde,
as vacas leiteiras se aproximam da bagaceira,
já separadas dos bezerros
e ali ficam até o amanhecer,
quando serão desleitadas.

O vaqueiro muito sedo
tira o leite das vacas,
e vai pegar o cavalo,
para deixar o gado no cercado.
Quase sempre o animal
fica no meio da manga,
entre o orvalho espalhado em gotas,
nas folhas verdes do mato.

Uma carta para o céu

Companheiro Dudé.
Onde tu estais?
Ainda lembras de mim?
Eu nunca te esqueci.
As vezes rezo e lembro de você, espero que estejas ao lado de tua família, junto ao pai, o nosso Deus. Minha vontade era de conversar contigo, mas não posso, vou te escrever, lembrar o teu tempo e contar como estão as coisas aqui na terra.
Eu, junto com outros companheiros estou na luta, contra o capitalismo, em busca da construção do reino de Deus. O reino que começa aqui na terra. Procuramos seguir na fé, o que Jesus nos ensinou. E o que ele pede de nós, é que lutemos e procuremos levar aos mais humildes esperança, amor, paz e justiça ou seja, a liberdade integral do ser humano e da natureza.
Mas companheiro a coisa não está fácil, anda tudo ao contrário do que Deus quer. Mas antes de entrar nesse papo, quero lembrar um pouco o seu tempo depois eu conto como esta a situação agora.
Tu deves se lembrar da fartura de comidas como: o moncunzar, feijão com pão, toicim, mocotó, angu com leite, capão gordo, queijo, carne assada, leite, paiol de milho, macaxeira, batata, jerimum, arroz, rapadura, farinha, baião de dois, cuscuz, e tantas outras coisas boas.
Companheiro, lembra o gado solto no campo, cavalos de cela, cavalos de campo, burros de cela, de campo, de cangaia, lotes de éguas e jumentos?
Lembras dos arreios dos animais, uniformes do vaqueiro e acessórios?
Como: esteira, soador, talabardão, ação, cela, cia, rabicho, estribo, lóro, capa, guardapa, peitoral, cabresto e cabeçada?
O terno do vaqueiro era feito de couro de bode, as peças eram: perneira, gibão, guarda-peito, luvas, chapéu, e acessórios como:  sapato de couro, chicote, espora, alfoges, caretas, chocalhos e amarrados através de correias debaixo da lua-da-cela, estava uma corda-de-reio feita de couro cru com uma argola de metal.
Assim saias a campear, botando no alfoge farinha, queijo e carne assada, rapadura e na garupa do cavalo a maca, feita de couro de carneiro com lã, ( na maca ia roupas e rede ) e ao lado, ia o Trigueiro, o cachorro amigo que lhes acompanhavas.
Dudé, você era admirado porque gostavas da vida, de zelar sua família, de suas coisas e tratar bem os animais, de aparar o rabo, cortar as clinas, limpar as orelhas, banhar, aparar os cascos, apear e soltar na roça.
Sempre fostes assim, vaidoso, cuidadoso e simples.
Quando chegava a envernada que a ramagem enfolhava na caatinga, juntava-se as vacas,  novilhas escoteiras e junto com um touro, fazia-se a solta na mata. Toda semana ias lá olhar o gado, observar as fêmeas mojadas, ou com bicheiras e até trazer bezerro na lua-da-cela quando a vaca paria no mato. Se houvesse algum animal ferido partia para a pega, a derrubada do boi na mata fechada, para poder tratá-lo.
Na ocasião da pega os recursos medicinais eram veneno, criolina, leite-de-algudão-seda, bosta verde de gado ou péia de fumo.
Passado o inverno, que a ramagem se acaba, vem o momento do gado voltar para a fazenda, o Vaqueiro começa a arrebanhar a boiada,  mas esse já está acostumado com a mata e a liberdade e alguns se rebelam, fogem do rebanho, começa então à busca, é a vez dos Vaqueiros, os cavalos e o boi sair no pega pra capá. É esse o momento em que todos os vaqueiros se juntam e partem de mata a dentro, é também a vez do Trigueiro mostrar seu valor. Só vai nessa quem tem coragem, é aí, onde a mata se abre e fecha, com a passagem do boi, do vaqueiro e o cavalo, não esquecendo o latido do amigo Trigueiro que chega junto na hora da derrubada do boi. Logo que o boi é dominado, os vaqueiros colocam a careta, o chocalho e voltam procurando o rastro por onde passaram para encontrar novamente a boiada.
O grande trunfo do Vaqueiro nessa empreitada é chegar primeiro, é pegar no rabo do boi em plena mata e derrubar, é misturar o suor, o sangue, o cansaço, a sede, é elogiar o cavalo que chegou junto, é serem vitoriosos, sorrirem juntos.

Esse texto foi feito com ajuda de Dico, filho de seu Dudé.

Leonardo Furtado Sampaio

12 / 05 / 2002


Carro de boi


Cabeçote, mesa, torno,
Eixo, sebo, roda, arco,
Pia alto, carga e areia,
Canga, correia, chifre,
Cabeçote puxando,
Chibata, corrente,
Vara, ferrão.
Carreiro cutuca quatro,
Quatro tudo carrega.



O carro de boi e modernidade


No sertão os fazendeiros
Que não tinha carro de boi,
É porque não tinha dinheiro,
Ou desse mundo já se foi,
Só que hoje tudo é moderno,
É caminhão ou caminhonete,
Petróleo virando fumaça,,
Cavalo virando chevete.

Tudo ficando mais caro,
Na roça do agricultor,
O povo passando fome,
E a fumaça sai do trator.

O facão cortando cana,
A enxada já encostou,
A barriga seca de fome,
A foice já aposentou,
O machado não corta mais,
O enxadeco também não arranca,
Da terra, o boi é dono,
E para o homem nada ficou.



Pássaros da minha terra


Falando da minha terra,
Onde canta o sabiá,
Na lombada da serra
Ou nos galhos do trapiá.

No paudarco cheio de flor,
Ou mesmo no juazeiro,
Voa o beijaflor,
Bicando e dando um cheiro.

Nos galhos do cajueiro
Acompanhado dos camaradas
Canta o bigodeiro
Fazendo lindas toadas.

Nas pedras do tabuleiro,
Canta o galo-campina
Entoando o dia inteiro
Encantando a ave rapina.

Em grandes arvoredos,
Canta a casaca-de-couro,
Voando pelos chiqueiros
Comendo milho e besouro.

Enquanto em casa reza-se o rosário
Evocando a padroeira.
No raiar da aurora, canta o canário,
No galho da aroeira.

Nos lagos ou minador,
Reúnem-se todos os pássaros,
Na beirada do bebedor,
Andando de passo em passo.

Enquanto por cima das águas
Voam as andorinhas
Bebendo gotinhas d’água
Dando lindas bicoradinhas.

Procurando sua comida
Ficam as lavandeiras
Na terra umedecida
Pegando moscas e abelhas.

No orvalho das salsas,
Pousam as borboletas,
O bem-te-vi abrindo suas asas,
Voa pegando inseto de cor branca ou preta.



Onde vive a passarada


Nas vargens tem o sabiá,
Nas flores o beija flor,
Nos galhos o galo-campina,
Nos coqueiros a graúna,
Nos arrozes o assum-preto,
Nas braúnas as rolinhas,
Nas capoeiras as corujas,
Nas gaiolas os canários,
Nos capins o pintassilgo,
Nos roçados a casaca-de-couro,
Nos seus ninhos o casacão,
Nas estacas os bem-te-vis,
Nos arames os anuns,
Nas fruteiras os sanhaçus,
Nos cipós os cibitos,
Nas moitas as nambus,
Nos algodões as cordunizes,
Nas matas o jacu,
Nos lagos os marrecos,
Nas lagoas os mergulhões,
Nos riachos os socós,
Nos mares a peixarada,
Nas lamas o muçum,
Nos minadouros o cururu,
Nos açudes os jabutis,
Nos buracos o tatu.


A galinha e a exportação


Quando lia historinhas
Da galinha do ovo de ouro
Imaginava que era lenda
Mas agora percebi a venda
E só faltam venderem o couro.

Até mesmo a inflação
Faz galinha botar ovo
Pra essa tal de exportação
Parece até que galinha
Esta virando petróleo novo.

Dizem os economistas
Que para poder pagar os juros
Da nossa dívida externa
A galinha vai dar duro
E tem que abrir as pernas.

A situação está assim
É preciso virarmos galo
E descermos do poleiro
Porque assim eu não me calo,
Pra vigiar o poleiro.

Conhecemos o patrão
E a furna que fica
La granja do torto
Com a tal de classe rica
Pra botar no nosso lorto.


O Sertanejo


O homem do sertão
Que vive na agricultura
Anda sempre com atenção
Mas não tem uma leitura.

A sua vida é na roça
Plantando milho e feijão
Trabalhando com muita raça,
Pra sustentar a nação.

O seu milho com feijão
Na sua roça é sem valor
Não tem quem der atenção
A esse grande sofredor.

Sua cultura é matuta,
Mas tem grande aceitação,
Com ele ninguém disputa,
Porque só faz com perfeição.

O homem sertanejo
O sangue ferve nas veias
Com ele há muito desejo
De cultivar as areias.

O seu sangue é de caboclo
Homem bravo do sertão
Monta cavalo ainda poldro,
Pra pegar boi barbatão.

Logo sedo pega a enxada
A foice ou o machado
A roçadeira, ou facão
Segue em ruma ao roçado
Pra cuidar da plantação.

Mas com toda sua garra
Vê na pele a sua sina
Os filhos abandonados
Sem escola, nem medicina,
Neste mundo são jogados.

Forçados fogem do campo
Indo para a cidade,
Levados para o abismo
Enfrentam toda maldade
Desse cruel capitalismo.

 

Viola do sertão


Não és matuto, nem mexicano,
Eis um grande poeta
Não cantas por engano
Nem a troco de moeda

Cantas a tua terra
Tocando num violão
A umidade da serra
E o teu seco sertão.

Falas no mandacaru,
No vaqueiro e no gibão,
Na feira de caruaru,
E no boi azulão.

Pensa na pobreza
Na sua grande miséria
Sente grande tristeza
Mas não pode acabar com ela.

Quando chega a chuva
Canta com mais alegria
Planta arroz, feijão e uva
Pra amanhã ser outro dia

Mas quando a chuva não vem
Dos seus olhos só saem lágrimas
E no sertão não fica ninguém,
Acabam-se até as boiadas

Sua rima é só tristeza
O seu canto não será fadas
Fala do homem e sua pobreza
E das terras desprezadas.

 

Oh meu irmão


Estrela crescente de justiça
Luz irradiante que alumia
Fermento na massa oprimida
Sedenta de paz e amor
Segues com a luz que irradia
Para junto de uma massa ferida
Que vê esposos e irmãos na cadeia
Por imposição de um regime opressor.

Regime que de nós merece vaia,
Por isso lutaremos com fé
Para que ele um dia caia
Junto com os que não reconhecem
O filho de José,
Nem mesmo o plano do Pai, criador,
Este que nos dá força e esperança
De um dia cantarmos vitória
Afastando assim nossa dor.

Araguaia, te espera.
Vais!
Com a esperança de logo voltar
Aqui, continuaremos erguidos
Na luta por libertação
De todo esse povo sofrido
Que passa por perseguições
Deste regime poluído
Que mata de fome e opressão
Com a força dos tubarões.

A saudade que fica é imensa
Mas temos a certeza da opção
Entendemos o chamado de Deus
Para junto desses nossos irmãos
Que vivem um clima de tenção
Na luta por um pedaço de chão.

Leonardo Furtado Sampaio
Novembro / 83.