Leonardo Sampaio
Das histórias de trancoso
Que minha tia contava
Trago como lembrança
O que vovó já falava
No temo de infância
Que o pecado da ganância
Era o cão que carregava.
O pecado capital
Traz a exploração
Como coisa de satanás
Que afasta da salvação
E dessa forma pregava
O medo que arrepiava
As histórias de assombração.
Todo mundo temia
Esse tal de satanás
Que morava numa casa
Onde existia cartaz
Com chifre do capeta
Língua e cara preta
E grande rabo atrás.
A estrada era esquisita
E pra passar no lugar
Do armazém abandonado
Num escuro de arrombar
E a visagem descia do céu
E derrubava o chapéu
De quem por ali andar.
A casa tinha Mucuim
E muito inseto perigoso
Morcego e percevejo
Tudo bicho danoso
Que ali morava
E todo mundo passava
Com medo do poderoso.
O demônio negro de rabo
De noite me aparecia
Na janela do sote
No lugar onde eu dormia
E me fazia chorar
Até mamãe chegar
Com a lamparina e ele sumia.
Em figura de negrinho
Ele ali se sentava
Botava os olhos em mim
E apavorado eu chorava
E mamãe vinha rezar
Até eu mi acalentar
Com a oração que rezava.
Eita terra malasombrada
Até caipora assobiava
E alma aparecia
Por onde eu caçava
A história acontecia
E assim eu crescia
Onde a visagem andava.
A visagem é uma alma
De alguém que já morreu
E chega toda de branco
E a alguém recorreu
No meio da escuridão
Um rosário de oração
E a imagem desapareceu.
Nessa terra tem mais marmota
Dessa vez vou lhe contar
Sobre o bode da braúna
Que tem nesse lugar
Que dá marrada no chão
Berra que nem o cão
E corre atrás de quem passar.
O morador perto dali
Só anda se for de dia
Porque à noite o bode vem
Fazer estripulia
E faz um medo danado
A quem mora daquele lado
Só passa com companhia.
Mais história eu ouvia
De umas tochas de fogo
Que eu ficava arrepiado
Até quando vinha do jogo
Falavam do lubizomem
Bicho com jeito de homem
Assustava, até galinha com gogo.
Pra completar a história
Vem a religião
Mostrando o bicho cão
Com uma espada na mão
E uma língua de fogo
Incentivando o jogo
Pra enganar o ladrão.
Na catequese aprendi
Que o chefe do inferno
É um tal de Lucifé
Que combate o pai eterno
E é dono de um caldeirão
Pra quem sofre condenação
E no fogo fica interno.
Pra encompridar o lamento
Tem as almas do purgatório
Com um castigo mais leve
E rezando bem no velório
Sofre menos perseguição
E pode chegar à salvação
Com orações no repertório.
Conheci a mata virgem
Lugar de pega de gado
Mas também de Exu
Como canto sagrado
Onde o negro feiticeiro
Faz despacho do terreiro
Como espaço consagrado.
Na mata tá o segredo
Diz a santa Iemanjá
Mas o padre condena logo
Os filhos de orixás
Que encontram suas imagens
No meio das folhagens
Contempladas pelos babalorixas.
Toda essa cultura
No tempo que fui criança
Era tudo condenado
Como coisa de lambança
Só pra fazer maldade
E não religiosidade
É o que ficou na lembrança.
Outra maldição falada
Era sobre os comunistas
Que matavam criancinha
E que eram marxistas
Pregavam a igualdade
E queriam liberdade
Com ideais leninistas.
Era tudo em uma época
De guerra do capitalismo
E o mundo foi divido
Onde tinha comunismo
Um era exploração
O outro a salvação
E nas igrejas o oportunismo.
Humorista não faltava
Eram pessoas engraçadas
Contadoras de prosas
Que sentavam nas calçadas
Contando anedotas
Do Ceará a Pelotas
Trazendo grandes risadas.
De outras modalidades
Lembrei dos brinquedos
Das histórias contadas
Das danças de folguedos
E de toda meninada
Correndo na estrada
Com cuidado e medo.
Os brinquedos artesanais
Como o gancho da baladeira
Ou o cavalo de pau
Era pra nós brincadeira
Muito divertida
E fazia parte da vida
Correndo pela ladeira
Até mesmo o véi babau
Fazia-nos muito medo
Nas horas de vadiar
Ou de fazer o brinquedo
E quando tava brincando
Dançando e rebolando
Sem cerimônia ou segredo.
Brinquedos e brincadeiras
Era o que ia escrever
Conforme fui provocado
No Curso da UFC
Sobre africanidade
No Cercadão, de verdade
Pro Quilombo melhor crescer.
Vou agora me despedir
Assustado com assombrações
E alegre com as brincadeiras
Feliz com as recordações
De criança e adolescência
Que vivi com inocência
Brincando com emoções.
Fortaleza, 9/05/2011