Leonardo Sampaio
Aqui é
apresentada a história do cotidiano de um povo que ocupa um espaço conhecido
como Gargalo da Garganta e o Motel Calango. O relato é uma amostra do retrato de
uma cidade “invisível” com suas mazelas de degradações humana, mesmo o fato
acontecendo ao lado do Centro de Cidadania e Direitos Humanos Cesar Cals, instituição
pública municipal de Fortaleza.
O Gargalo
da Garganta surgiu no final da década de 2000 como ponto de prostituição
homossexual infanto-juvenil, quando as crianças eram aliciadas por adultos para
a prática sexual no espaço de uma vacaria desativada, ali, havia exibições dos
corpos em busca de afetividade. Já na década de 2010 há uma reforma com a
chegada de mulheres trabalhadoras do sexo, atraindo novos clientes, o que leva
naturalmente a se constituir uma nova relação de convivência com o espaço e com
as pessoas. Pois é nessa construção de relações, que surge o Motel Calango,
como alternativa para baratear as despesas dos clientes, já que não precisa
pagar, porque o “Motel” fica localizado dentro do mato em um terreno murado
onde foi furado um buraco no muro e cada um ou uma reserva seu espaço dentro do
mato pra transar com seus clientes, com direito ao ar livre, ao verde das
plantas, o perfume das flores e a sombra durante o dia ou às noites apreciando
a lua e as estrelas em pleno prazer da vida, com orgasmo, alegria e felicidade.
Único direito que não há como tirar.
O Gargalo e
o Motel Calango são lugares de encontro 24 horas, envolvendo prostituição,
drogas, crimes, roubos, assaltos, tráfego, aliciamento e boas relações de
amizade. O público frequentador desse ambiente é jovem, homens e mulheres que moram
nas favelas vizinhas e foram condenados pelo capital a viverem na extrema
pobreza, elevada ao estagio de miséria. Uma miséria, produzida pela miséria do
Estado e do capitalismo consumista e acumulador de riquezas. São famílias que
visivelmente tem suas ancestralidades indígenas e afrobrasileira que sofrem a
negação da cidadania como Ser humano. São pessoas que vivem exclusão histórica desde
a invasão européia a estas terras do Brasil e impuseram políticas, religiões e costumes
eurocentrista, chegando a escravizar índios, tomar suas terras e comercializar
pessoas africanas como animais, para serem escravizados em fazendas e
trabalharem na produção agrícola e em trabalhos domésticos no campo e na cidade,
servindo aos senhores de engenhos e aos donos do capital e do poder político,
sem nenhum direito de cidadania. Então o Gargalo da Garganta e o Motel Calango
é apenas um recorte do resultado dessa exclusão após a escravidão e na atual
sociedade de mercado e de consumo.
Esse lugar onde
tudo isso acontece, fica às margens do Riacho Cachoeirinha onde havia as
Cacimbinhas, musicada no Cd Jogueiros do ESCUTA, composição da Prof. Ângela
Linhares/UFC que conta a história das famílias que lavavam roupas ali, enquanto
as crianças brincavam nas águas cristalinas. O local hoje virou rampa de lixo, canal
de esgoto e aterramento por parte da especulação imobiliária, sufocando a vida humana,
a flora e fauna no oeste da cidade. Era um dos espaços que deveria ter sido
construído o Projeto Parque Rachel de Queiroz, preservando todo o meio ambiente
e criando espaços adequados para uso da comunidade com melhoria da qualidade de
vida. O poder público e o privado são abusivos e irresponsáveis em reação ao
meio ambiente na cidade.
Essa é uma história
real, crua e nua que ainda acontece em pleno século XXI, ao lado das
instituições religiosas, públicas e educacionais em que todos fecham os olhos tentando
torná-la invisível, discursando ou pregando sobre: justiça, amor, fraternidade,
igualdade e desenvolvimento, o que torna o discurso hipócrita, porque os fatos
expostos revelam o cinismo de uma sociedade apodrecida pela ganância, o egoísmo
e ainda expõe a contradição entre a escrita, a fala e a execução.
Não se pode
falar de justiça e desenvolvimento enquanto essa realidade estiver presente.
14/12/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário