sábado, 14 de dezembro de 2013

Motel Calango em uma cidade invisível

Leonardo Sampaio

Aqui é apresentada a história do cotidiano de um povo que ocupa um espaço conhecido como Gargalo da Garganta e o Motel Calango. O relato é uma amostra do retrato de uma cidade “invisível” com suas mazelas de degradações humana, mesmo o fato acontecendo ao lado do Centro de Cidadania e Direitos Humanos Cesar Cals, instituição pública municipal de Fortaleza. 
O Gargalo da Garganta surgiu no final da década de 2000 como ponto de prostituição homossexual infanto-juvenil, quando as crianças eram aliciadas por adultos para a prática sexual no espaço de uma vacaria desativada, ali, havia exibições dos corpos em busca de afetividade. Já na década de 2010 há uma reforma com a chegada de mulheres trabalhadoras do sexo, atraindo novos clientes, o que leva naturalmente a se constituir uma nova relação de convivência com o espaço e com as pessoas. Pois é nessa construção de relações, que surge o Motel Calango, como alternativa para baratear as despesas dos clientes, já que não precisa pagar, porque o “Motel” fica localizado dentro do mato em um terreno murado onde foi furado um buraco no muro e cada um ou uma reserva seu espaço dentro do mato pra transar com seus clientes, com direito ao ar livre, ao verde das plantas, o perfume das flores e a sombra durante o dia ou às noites apreciando a lua e as estrelas em pleno prazer da vida, com orgasmo, alegria e felicidade. Único direito que não há como tirar.
O Gargalo e o Motel Calango são lugares de encontro 24 horas, envolvendo prostituição, drogas, crimes, roubos, assaltos, tráfego, aliciamento e boas relações de amizade. O público frequentador desse ambiente é jovem, homens e mulheres que moram nas favelas vizinhas e foram condenados pelo capital a viverem na extrema pobreza, elevada ao estagio de miséria. Uma miséria, produzida pela miséria do Estado e do capitalismo consumista e acumulador de riquezas. São famílias que visivelmente tem suas ancestralidades indígenas e afrobrasileira que sofrem a negação da cidadania como Ser humano. São pessoas que vivem exclusão histórica desde a invasão européia a estas terras do Brasil e impuseram políticas, religiões e costumes eurocentrista, chegando a escravizar índios, tomar suas terras e comercializar pessoas africanas como animais, para serem escravizados em fazendas e trabalharem na produção agrícola e em trabalhos domésticos no campo e na cidade, servindo aos senhores de engenhos e aos donos do capital e do poder político, sem nenhum direito de cidadania. Então o Gargalo da Garganta e o Motel Calango é apenas um recorte do resultado dessa exclusão após a escravidão e na atual sociedade de mercado e de consumo.
Esse lugar onde tudo isso acontece, fica às margens do Riacho Cachoeirinha onde havia as Cacimbinhas, musicada no Cd Jogueiros do ESCUTA, composição da Prof. Ângela Linhares/UFC que conta a história das famílias que lavavam roupas ali, enquanto as crianças brincavam nas águas cristalinas. O local hoje virou rampa de lixo, canal de esgoto e aterramento por parte da especulação imobiliária, sufocando a vida humana, a flora e fauna no oeste da cidade. Era um dos espaços que deveria ter sido construído o Projeto Parque Rachel de Queiroz, preservando todo o meio ambiente e criando espaços adequados para uso da comunidade com melhoria da qualidade de vida. O poder público e o privado são abusivos e irresponsáveis em reação ao meio ambiente na cidade.
Essa é uma história real, crua e nua que ainda acontece em pleno século XXI, ao lado das instituições religiosas, públicas e educacionais em que todos fecham os olhos tentando torná-la invisível, discursando ou pregando sobre: justiça, amor, fraternidade, igualdade e desenvolvimento, o que torna o discurso hipócrita, porque os fatos expostos revelam o cinismo de uma sociedade apodrecida pela ganância, o egoísmo e ainda expõe a contradição entre a escrita, a fala e a execução.
Não se pode falar de justiça e desenvolvimento enquanto essa realidade estiver presente.



14/12/2013

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