Leonardo
Sampaio
Hoje
domingo, 29 de dezembro de
2013, é dia da memoria dos
Mártires Inocentes, data em que se homenageia todas as crianças que
foram assassinadas a mando de Herodes. Tudo isso se deu por causa do
filho do casal José e Maria que foi dado o nome de Jesus, e que
seria considerado o messias. Quando o Rei Herodes tomou conhecimento,
reuniu os sacerdotes para saber onde ele havia nascido e todos
afirmaram que foi na cidade de Belém na Judéia, como havia afirmado
a profecia na terra de Judá.(mts 2.3-6). A matança das crianças
se deu quando alguns magos do
Oriente chegaram em Jerusalém e perguntaram: Onde esta o
recém-nascido rei dos Judeus? Nós vimos a sua estrela no oriente e
viemos para prestar-lhe homenagem.(mts 2.1-2). Essa conversa deixou o
Herodes enfurecido, aí tentou subornar os magos mandando eles irem
até Jerusalém investigar o lugar exato onde estava o menino, mas
os magos encontraram outro caminho seguindo a estrela guia e assim
ludibriaram o rei e esse quando se viu enganado determinou que todas
as crianças de Belém e arredores com idade até dois anos seriam
mortas.(mts 2.16). A intenção era que nesse meio Jesus fosse
atingido, porque jamais iria admitir que alguém viesse para tomar
seu poder. Não deu certo porque o casal José e Maria estava bem
informados e voltaram
para Israel, em seguida migraram para a Galiléia e tiveram de fugir
para o Egito, país do continente africano onde nasceu Moises que
lutou durante quarenta anos junto com um grupo de pessoas
escravizadas em busca da terra prometida e foi ali no Egito que a
família de Jesus Cristo foi acolhida pela comunidade e viveram lá
naturalmente como cidadãos até a morte do rei Herodes e sua turma.
Depois retornaram para a região da Galiléia e foram morar na cidade
de Nazaré e assim Jesus escapou de ser morto quando criança.
Essa
história me veio à mente hoje cedo, porque me lembrei de ontem
28/12/2013 quando estava no ensaio do Pastoril que conta a história
do menino Jesus e do Reisado que conta a história da visita dos reis
magos ao menino Jesus. O ensaio era
no ESCUTA – Espaço Cultural Frei Tito de Alencar, nome que
homenageia um jovem mártir da Ditadura Militar do Brasil. Mais o que
me chamou atenção, foi quando
ao final do ensaio chegou uma menina anunciando que viera só
justificar porque
não estava no ensaio, é que
dois adolescentes foram assassinados próximo a sua casa e que os
assassinos vieram para matar seu irmão, como não o encontraram
atiraram em outros adolescentes, por isso, ela e toda a família se
sentiam ameaçadas. Nessa ocasião ouvi um relato de outra criança,
dizendo que as meninas da Fumaça estão proibidas de namorar com
meninos da Entrada da Lua e vice versa, segundo ela quem entrar em
qualquer um dos territórios será assassinado. Aí lembrei que essa
situação de rivalidade entre essas duas comunidades já existiu na
década de 1980 e só acabou quando dois jovens Antônio e Gilmar
criaram a Quadrilha Junina TOMGIL (dos nomes Antônio e Gilmar é
que gerou TONGIL) e a parir daí os jovens das
duas comunidades passaram a dançar juntos, namorar
e casar. Por coincidência ou destino, parei de
escrever esse texto no primeiro parágrafo e fui à Entrada da Lua
para o velório de uma amiga e assim que cheguei, encontrei um
dos dançarinos da época, ai falei: cara, está
voltando aquela rivalidade de violência, então ele começou a me
contar como era a situação dele naquela período,
disse que ia pra casa da namorada com um revolver na cintura e
escondia no telhado da casa da namorada já que
a casa era baixa e isso só teve fim quando os dois começaram a
dançar na Quadrilha lá na Fumaça, aí os outros jovens os
acompanharam. Ele findou a história contada em poucas palavras,
preocupado, porque esta percebendo a volta de um ambiente de
rivalidade e que o Planalto do Pici está muito
violento, só nesse sábado 28/12/13, no período
da tarde, houve três crimes de morte com adolescentes da comunidade.
Ao
escrever essas duas histórias, lembrei também dos relatos das
crianças na escola onde trabalho como professor, bem próximo a
praça da juventude no Henrique Jorge. São raras
ouvi das crianças história sobre coisas boas
de acontecimentos
nessa comunidade, sempre seus relatos estão
ligados a violência com
assassinatos, tráfego de drogas e o pior, os personagens e vítimas
são familiares delas. Uma chega e diz: meu primo na semana passada
foi assassinado e nesse final de semana foi meu tio, outras lembram:
meu irmão foi assassinado, minha tia foi morta a bala, meu pai está
no presídio, meu irmão foi preso por assalto, meu primo foi
flagrado com uma arma e está preso, minha família esta escondida e
saiu do bairro porque vieram pra matar meu irmão, não encontraram,
agora qualquer um de nós
pode ser alvo das balas, ontem mataram um jovem na minha rua, meu pai
sofreu um atentado de vários tiros felizmente não acertaram, hoje
estou triste porque minha mãe está foragida, no
final da tarde mataram um bem ali, dois amigos foram assassinados na
minha rua porque estavam assaltando, uma mulher
foi assaltada na calçada da escola.
Diante
de tudo isso, fico refletindo, nos cobram
qualidade de ensino, mas não oferecem qualidade de vida a nossas
crianças e seus familiares, aí me pergunto:
Como essas crianças conseguem aprender tantas disciplinas escolares,
chegando à escola de um ambiente desse? Na
verdade fazemos o milagre acontecer. Até as
crianças que não vivem na
família esse clima, sentem o sofrimento das amigas e amigos da
escola, sala, em trabalhos
coletivos e tornam-se solidárias.
Convivemos com crianças
meigas, carentes de afeto, mas também rebeldes, quase sempre
indisciplinadas, que às vezes tem como referência na vida, alguém
que vive fora da lei,
mas possivelmente um dia lhe fez carinho. Jesus
Cristo buscou essas pessoas, para ajudá-los a se libertar de todas
as formas de opressão, eram esses os seus preferidos. Quem se achar
seguidor, que faça o mesmo, porque do contrário serás fariseus.
Todas
essas histórias têm também algumas
coincidências bastante visíveis. a)
Jesus com sua família foi se refugiar na África; b)
Os jovens e crianças vítimas da violência
nessas duas outras histórias de Fortaleza – Ceará – Brasil, são
em sua maioria afrodescendente; c)
Em todas as três histórias, são pessoas pobres, humildes que
sofrem perseguições dos poderosos, dos governantes que lhes negam
terra pra trabalhar, morar e viver dignamente; d)
Portanto são histórias de um mesmo povo.
Ser
seguidor de Jesus Cristo é ter a coragem de enfrentar todos os
poderes que oprimem, é combater os opressores e
continuar a luta do Cristo
Libertado por direitos
iguais, com justiça, amor e fraternidade.
Muitos
rezam em nome de Jesus e nada
fazem pela libertação da
humanidade, isso não é
cristianismo e sim interesse próprio.
O sistema de injustiça institucionalizada pela
globalização é o Herodes de hoje.