Como escritor e memorista, vou apresentar um pouco
da história de uma parte da periferia de Fortaleza-Ceará. A Base Velha, como
era popularmente conhecida na década de 1980, foi ocupada três vezes por pessoas aleatórias do bairro Jóquei
Clube, com certo espontaneísmo, pois não havia uma organização comunitária com
planejamento para que desse certo, por isso eram expulsas pela Polícia Federal,
já que o terreno era de controle da União.
Em 1986, na gestão da ex-prefeita Maria Luiza (PT),
fui diretor do Centro Social Urbano César Cals, conhecido popularmente
apenas pela sigla “CSU”. A Base Velha
servia de “desova”: grupos de extermínio jogavam corpos lá, dentro do mato. Então
reuni os times de futebol da área e criamos uma Associação, que virou a Liga
Esportiva do Pici. Consegui com a prefeitura dois tratores e em pouco tempo
tínhamos 18 campos de futebol, mais quatro dentro do Campos da UFC e foi criado
o Campeonato da Liga. Todos os domingos a Base Velha era lotada de torcedores e
comércio ambulante.
Em 1987, passei a ser Secretário de Habitação de
Fortaleza e trouxe para as Comunidades do Pici (João Arruda) o Projeto de recuperação
de casas. Todas as casas de taipo foram construídas de tijolo, em regime de mutirão.
Na minha gestão, construímos 10 mil moradias em Fortaleza e criei a Habitafor.
Deixei em andamento o projeto de urbanização de favelas e de Conjuntos
Habitacionais.
Em 1990, chegou o Projeto Prorenda, que eu havia
articulado em 1987, com a Prefeita Maria Luiza e o governo da Alemanha, em
parceria com o Gov. do Estado, a Prefeitura de Fortaleza e a Comunidade local,
sendo levado também para os bairros: Couto Fernandes, Pirambu e Conjunto
Palmeiras.
Com a efervescência da luta por moradia, que
articulei junto com a União das Comunidades da Grande Fortaleza e a União das
Mulheres Cearenses, desencadearam muitas ocupações de terra em toda a Cidade, pois
havia um programa contra a especulação imobiliária e por moradia popular.
Nesse período houve muita repressão policial em
toda a Cidade comandada pelo Secretário de Segurança Pública do Estado do
Ceará, Moroni Torgan. No Pici os despejos foram demasiado violentos por parte
da polícia. Os despejos que houveram na Comunidade do Feijão, próximo ao
Colégio Júlia Giffonni, foram parar na Delegacia do 10º Distrito e os ocupantes
resolveram invadir o CSU César Cals e ficaram abrigados lá por algum tempo, até
que a prefeitura cadastrasse cada família. D. Marina e D. Maria Boneca (Mãe do
cantor Naldo José) eram as lideranças. Outro despejo foi ao lado da Favela da
Fumaça onde hoje é um conjunto habitacional. Lá a liderança era a Lucimar, que
sofreu repressão policial, mas colocou literalmente o dono do terreno pra
correr, com um facão na mão. Estes fatos foram registrados em matérias de
jornais da época, inclusive fotos da
ocupação.
Daí é que o Movimento dos Sem Teto se organiza para
ocupar grandes áreas de terra em toda a Cidade e a Irmã Mona que fazia parte me
convidou para uma reunião no Salão ao lado da Capela da Penha, na Bela Vista,
para programar a ocupação da Base Velha. Fui junto com a Lúcia, minha
companheira. Foi dessa luta que surgiu a ocupação do que é hoje o Planalto
Pici.
Em 1989, o Prefeito era Ciro Gomes
(PSDB), que se manifestou em defesa dos proprietários de terra e junto com o
Governador Tasso Jereissati (PSDB) comandaram com Moroni Torgan (PFL, ex-Arena
e atual DEM) o policiamento com repressão. Várias pessoas foram espancadas com
cassetetes, algumas tiveram fraturas nas costelas, nos braços e clavículas. Foi um massacre terrível contra os pobres que
queriam apenas um pedaço de terra para morar. A motivação das ocupações vinha
da reflexão bíblica feita pelas
Comunidades Eclesiais de Bases – CEBs, do livro do Êxodo – “Terra prometida”. E
as autoridades governamentais em vez de resolverem o problema da moradia,
passaram a me perseguir como responsável pelas ocupações. Fui chamado pelo
Secretário de Desenvolvimento Social e o comando da Polícia Militar com o
objetivo de me intimidarem. Na ocasião da reunião com eles, responsabilizei o
Estado pelo massacre contra as pessoas pobres e indefesas que queriam apenas um
lugar para morar.
Em 1990, o Governador era Ciro Gomes (PSDB) e
quando os Sem Teto chegaram organizados ocupando grandes terrenos ociosos, como
o Aírton Senna, São Bernardo e a Base Velha, ele recuou e passou a receber as
representações das ocupações, que reivindicavam saneamento básico nestas
comunidades, para não virarem favelas desorganizadas, como foi o Pirambu, Servi
Luz e Couto Fernandes, que estavam em áreas públicas Federais.
Nesse período da ocupação da Base Velha (Planalto
Pici) a Associação de Organizadores Sociais e Serviços – AMORA, foi convidada
pelo Estado por meio do Centro Comunitário Mirian Mota para ser a Entidade
representativa da ocupação e refletimos que seria melhor ser criado uma
Entidade da própria ocupação e que a AMORA participaria como apoio. Foi aí que
chegou a Toinha, vinda da Pastoral da Saúde e a Irmã Mona orientou-a a criar uma
Associação de Moradores, daí veio a criação da Associação de Moradores do Campus
do Pici – Amocap, que foi fundamental para dar continuidade a todo esse
processo de organização da ocupação, definindo o tamanho dos lotes, a largura
das ruas e fazendo o cadastramento de todas as famílias que ali iam chegando.
Então, todas as conquistas dependeram das
organizações populares, nada chegou por boa vontade dos governantes e sim pelo
luta do povo, por isso que chegou o saneamento e o Planalto do Pici é o que é
hoje.
O Pici agora tem um novo avanço, que é a criação por
meio de Decreto da Prefeitura, da ZEIS - Zona Especial de Interesse Social do
Pici, para a regularização fundiária e planejamento urbano. A luta continua.
Isso é apenas para registrar essa memória e servir
de estudos e pesquisas.
06/10/2018
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