Leonardo Sampaio
Para falar de Maria da Hora, quero antes historiar o
território onde ela pisou. O historiador Nirez fala do Sítio Pici (Percy), de
1909, o que levou essa parte da Cidade de Fortaleza, ser conhecida como Pici.
Em 1927, Daniel de Queiroz compra esse Sítio e nele, a escritora Rachel de
Queiroz escreveu seu primeiro livro “O quinze”. Na década de 1940 os americanos
instalam uma Base Aérea de apoio à 2ª Guerra Mundial e no entorno da Base
haviam Sítios e Chácaras. Na década de 1950, houve loteamento de alguns Sítios
e a construção da Casa Popular, que era um conjunto habitacional, depois
denominado de bairro Henrique Jorge. Já na década de 1960, houve grande fluxo
de migração do interior do Estado para Fortaleza, começa a acontecer ocupações
de terras e surgem as favelas: da Fumaça, Papoco, Auto do Bode, Entrada da Lua,
Inferninho e Feijão todas constituídas por um contingente populacional de negros/as,
indígenas e brancos empobrecidos vivendo em extrema miséria. Eram famílias
deserdadas do campo, chegando na selva de pedra sem nenhuma qualificação
profissional, para o mercado de trabalho e sem moradia. O ambiente em que foram
morar se tornou insalubre, indigno de se viver, não havia energia, nem saneamento,
faltava equipamentos público de atendimento à saúde, não existia escolas nem
creches, as casa eram de taipe e as ruas eram becos estreitos cheios de lama,
as ruas projetadas nos bairros não tinham nem calçamentos, era na verdade uma
periferia abandonada pelo poder público.
Na década de 1970, o Governo Federal construiu o Centro
Social Urbano César Cals, era tempo de Ditadura Civil-Militar no Brasil, o povo
não votava para presidente da republica, nem para governadores dos estados e
prefeitos das Capitais, todos eram nomeados pelos Generais ditadores, o Ceará
passou a ser governado por Coronéis. Enquanto isso, o capitalismo se
fortalecia, empresas estrangeiras tomam conta do país, as riquezas e as terras
ficam cada vez mais concentrada nas mãos de poucos, o desemprego e a miséria
estava cada vez mais crescente, o povo era proibido de se manifestar, a
sociedade passou a ser vigiada, quem se opunha era perseguido, preso,
torturado, exilado e até assassinado. Frei Tito de Alencar, jovem cearense que
se rebelou pela fé, na defesa dos oprimidos, passou por todo esse estágio,
junto com tantos outros brasileiros, por defender uma sociedade justa, fraterna
e igualitária se opondo ao capitalismo e propondo o socialismo como alternativa
de distribuição das riquezas, para que todos vivam com dignidade.
No contraponto à
ditadura e ao modelo de sociedade capitalista que gera desigualdade e
exploração, em 1980, passei a integrar um setor da Igreja Católica ligada a
Teologia da Libertação, que fizera opção preferencial pelos pobres, em busca de
sua libertação, e formamos um grupo de missionários/as que iniciou o debate sobre
a desigualdade na periferia de Fortaleza e em particular, no Sítio Ipanema,
João Arruda, nas Favelas da Fumaça, Inferninho, Entrada da Lua, Feijão e nos
bairros Genibaú, Autran Nunes, Henrique Jorge e Jóquei Clube. A escolha foi por
serem comunidades formadas por sua maioria de migrantes negros, indígenas e
brancos excluídos do mercado capitalista e do latifúndio. São pessoas vindas do
interior do Estado do Ceará, atingidos pelas secas, falta de condições de
trabalho, sem terra para plantar devido ao acumulo de riquezas nas mãos de
poucos, bem como a ausência de escolas e atendimento à saúde, o que levou as famílias
à extrema pobreza. Estas famílias, ao se instalarem nestes bairros e favelas do
Oeste da Cidade, encontraram também suas identidades com o Campo, por serem bairros
constituídos numa mistura entre urbano e rural, com ruas, sítios e criação de
animais leiteiros e de corte, criados bem nas proximidades do Riacho
Cachoeirinha, de lagoas e o açude do Sítio Pici, onde havia fertilidade de água
e pastagem.
Foi nesse ambiente
de Cidade, que chegou a Comunidade Eclesial de Base – CEB, da Igreja Católica,
com um grupo de missionários e missionárias para instalar uma Igreja viva no
meio do povo em vista à sua libertação integral, tendo como guia a Bíblia, a
palavra de Deus com a vida dos primeiros cristãos e o Cristo Libertador no
olhar da Teologia da Libertação e o método: Ver, Julgar e Agir.
Essa discussão era conflituosa, porque se deparava com a
Ditadura Civil-Militar, que tinha seus agentes do Estado, da sociedade civil e
se somava à Igreja conservadora, que tinha como princípio a sustentação do
modelo de exploração e a economia capitalista. Por outro lado, as CEBs chega
pregando uma sociedade igualitária, justa, fraterna, tendo como base bíblica, a
vida dos primeiros cristãos, que trabalhavam, produziam e dividiam a produção
de acordo com suas necessidades. Essas ideias das CEBs foram taxadas pelo
conservadorismo, de “comunista”, portanto, os missionários e missionárias eram
apontados como pessoas perigosas, terroristas que se infligiam contra o Estado
de Direito. Esse debate dividia o povo, trazia incertezas, os cristãos não
sabiam de que lado ficavam, se na Igreja conservadora, ou a progressista dos
ditos “comunistas”. A presença do padre conservador, da Paróquia, dos sacramentos,
da manipulação, fortalecia a Ditadura, até que D. Aloisio Lorscheider veio ao
encontro das CEBs e afirmou que a Igreja Comunidade inserida no meio dos
pobres, refletindo a realidade, julgando os responsáveis pela desigualdade
social e agindo para melhorar a vida das pessoas pobres, criando uma
consciência critica, era o caminho da verdadeira Igreja de Jesus Cristo que fez
opção preferencial pelos pobres. Esse posicionamento de D. Aloisio fez crescer
as CEBs e fortalecer as organizações populares para reivindicar os direitos
negados pelo Estado. A comunidade na sua praxidade instalou a Escolinha Comunitária Frei Tito,
para alfabetização de crianças, jovens e adultos no método Paulo Freire, já que
não havia nenhum equipamento educacional do Estado. Para amenizar a fome, foi criada
hortas comunitárias para gerar alimentos e ao mesmo tempo ter a prática da
coletividade.
Nesse confronto de ideias, o conservadorismo local passou
a se organizar também, para se contrapor aos movimentos progressistas e foi
nesse contexto que conheci a Maria da Hora como líder de base conservadora, com
um carisma muito forte e ao lado dos ditadores. Porém, ela se destacava com um
víeis diferenciado, voltado para a educação, já que não havia escolas oficiais para
as crianças pobres estudarem e foi nesse campo da educação que ela priorizou
sua ação comunitária, trazendo grandes conquistas de escolas e creches,
formando o Complexo Educacional Maria da Hora, institucionalizado pelo
Instituto Beneficente Sítio Ipanema. E assim, Maria da Hora desempenhou um
grande papel no desenvolvimento do Bairro e marcou a vida das pessoas pela sua
bondade. Trouxe alimentos dos programas Federais para distribuir com a pobreza
marcada pela fome, conseguiu linha de ônibus, ampliação da rede dede energia e
calçamentos. A ditadura se aproveitava da sua liderança para aplicar a política
assistencialista, com intuito de amortecer as lutas populares contra o poder
ditatorial no país. Ela pouco se importava com o contexto político, preferia o
prestigio junto às autoridades constituídas no poder estatal para conseguir as
melhorias pra a comunidade.
Em outra ocasião, no Colégio Demócrito Rocha havia uma
programação do Bairro Henrique Jorge e adjacências para discutir as
necessidades das comunidades, com a presença do Prefeito Antônio Cambraia,
sendo que, a Rádio AM O Povo promoveu um debate ao vivo com o Prefeito, eu e
Maria da Hora. Na ocasião Cambraia falava do alargamento da Av. Perimetral, que
obviamente atingiria o Complexo Educacional Maria da Hora e na sua intervenção,
ela argumentou que no Henrique Jorge não havia necessidade de alargar a
Perimetral porque já havia uma Avenida pronta que era a Heribaldo Costa,
necessitando apenas estende-la até ao CSU César Cals, com isso beneficiaria o Bairro
e a prefeitura faria grande economia por não necessitar realizar indenizações e
manteria a tranquilidade das famílias que seriam atingidas. O prefeito acatou a
proposta e assim foi feito a obra de utilidade para o lado Oeste de Fortaleza.
A sociedade é formada por contradições de pensamentos, de
ideologias, de ações e de praxidades que se confundem quando se trabalha com o
mesmo público, em que ambos lideres querem a melhoria de vida daqueles, mas por
caminhos diferentes, com leituras de mundo adversas e foi assim esse meu
encontro com a grande líder Maria da Hora. Mulher de fibra e compromissada com
o que acreditava.
Foi essa a Maria da Hora que conheci e acho justo e
necessário registrar sua história em livro e em equipamentos públicos pela sua
reverência, por suas lutas e conquistas em beneficio dos mais necessitados.
10/01/2017
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