quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Movimento popular: história de lutas


Leonardo Sampaio

   A década de 1970 o Brasil vivenciara o período mais violento da Ditadura Civil Militar, foi também o tempo em que eu começava uma militância política na esquerda, conhecendo o processo revolucionário que vivia o mundo a aquele momento. Muitos brasileiros foram mortos, torturados e expulsos do País por defenderem a democracia e o socialismo.
   No inicio da década de oitenta, o Brasil inaugurava uma nova história com o retorno dos patriotas de esquerda retornando ao país através da Lei da Anistia, após vinte e quatro anos de exílio e repressão.
Os movimentos sociais se erguiam com energias, principalmente no sindicalismo e movimentos populares de bairros e favelas. Em todo o país estavam expostas as sequelas da Ditadura com acumulo de riqueza nas mãos de poucos e grande miséria para a maioria do povo brasileiro.
   No Ceará a situação se agravava com um longo período de seca que fazia com que a população desassistida no campo se deslocasse para as Cidades, aumentando as dificuldades de sobrevivência das pessoas nos espaços urbanos, já que não era seu habitat nem na área profissional e nem cultural o que levava também o município à não assegurar assistências, moradia e emprego. Ao chegarem na Cidade, muitos ficavam nas casas de parentes ou pagando aluguéis durante um tempo. Com o agravamento da situação, saiam pelas ruas mendigando. Os programas de governo não eram suficientes para atendê-los. Sem poderem pagar aluguel e continuar por muito tempo na casa dos parentes, começaram a ocupar terras ociosas na Cidade, aumentando o número de moradias inadequadas por não ter saneamento básico, escola, unidade de saúde além de provocar grandes conflitos entre ocupantes, proprietários e o Estado que é obrigado a garantir o direito à propriedade, assim também, como direitos aos cidadãos(ãs), mas quase sempre a este ultimo é negado.
   Nesse processo de ajuntamento de forças entre proprietários de terras e o Estado contra a população carente e desamparada entra os partidos de esquerdas ainda na clandestinidade disputando esse espaço ao lado da população oprimida, com as bandeiras de melhoria de condições de vida, organização da sociedade em associações comunitárias e o engajamento partidário para juntar forças em busca do poder Executivo e Legislativo.
   Ao lado dessa luta por transformações nas estruturas de poder, entram também, setores da Igreja Católica, que, baseados na Teologia da Libertação se organizam nas Comunidades Eclesiais de Base – CEBs envolvendo Bispos, Padres, Freiras e leigos engajados e com a Bíblia na mão refletem a partir da fé e a palavra de Deus, os direitos de cidadania e assim, entram na periferia das Cidades pregando a dignidade humana, a organização dos oprimidos e a luta por liberdade.
Em Fortaleza a disputa pela hegemonia das organizações sociais dividiu as esquerdas, em que, uma parcela fundou a Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza - FBFF acreditando nas mudanças estruturais pela via institucional do Estado e outra que apostava na via revolucionária através da luta armada.
   Nesse processo de disputa e organização, a FBFF ia encaminhando ofícios para as instituições públicas com as reivindicações, enquanto isso as CEBs e o outro movimento de esquerda chama o povo para as ruas e cria a Jornada de Luta Contra a Fome, organizando grandes assembléias pelos bairros e favelas, fazendo uma pauta de reivindicações e junto com as lideranças que iam se formando nessa luta, transformam as carências em um projeto que determina o que cada comunidade propõe. O objetivo era fazer com que o poder público pudesse transformá-las em ações das políticas públicas.
   A estratégia utilizada para entregar esse documento ás autoridades e posteriormente cobrar os resultados apresentados, era realizando grandes caminhadas com cerca de dez mil pessoas, rumo à Prefeitura e ao Governo do Estado.
   Essa mobilização da sociedade excluída fez surgir fortes lideranças e sensibilizou a classe média e intelectual tendo como interlocutora a Deputada Estadual Maria Luiza Fontinele que foi eleita Prefeita em 1985, com um mandato interino de três anos, de 86 a 88.
   Naquele período eu estava presente, na organização das CEBs, fundação do PT, na mobilização da Jornada de Luta Contra a Fome, na construção clandestina do Partido da Revolução Comunista – PRC, na campanha para eleição da Maria Luíza à Prefeitura de Fortaleza e vivendo financeiramente por conta própria, como vendedor de representação comercial.
   A cada momento nesse processo participativo, exigia da militância, mais compromissos e foi o que me levou a essa sequência de engajamentos que teve inicio em 1978, e que funcionava como uma escola de aprendizado da práxis e da formação política, da educação popular e administrativa das organizações sociais. Eram momentos de lutas que exigiam leitura, reflexão, ação, avaliação.
   Nos anos de 1986 a 1988 já na Gestão da Prefeitura de Fortaleza, tive uma nova experiência que era por em prática o discurso de antes, para dentro da administração pública e um dos grandes desafios foi enfrentar a direita e parte da esquerda fazendo oposição à Administração Popular, principalmente por que estavam juntas na Gestão do Governo do Estado do Ceará e do Governo Federal, enquanto que a Prefeitura das Capitais funcionava como uma Secretária desses poderes, sem nenhuma autonomia financeira para gestar o município. A situação era de total dependência.
   Haja visto, que a participação da população no processo político do País era tão distante que aos 32 anos de idade foi a primeira vez que eu votei para Governador em 1982, para Prefeita em 1985 e para Presidente da República em 1986, isso, devido ao período da Ditadura Militar que durou 24 anos, onde o Presidente da Republica era nomeado por um colégio eleitoral formado por Generais, os Governadores dos Estados e um Senador eram nomeados pelo Presidente, os Prefeitos das Capitais eram nomeados pelos Governadores, vejam quanto tempo o povo passou sem votar. Só na Constituição de 1988 houve mudanças nas Leis e abertura política, por isso, estamos ainda hoje em um aprendizado do processo de participação popular no exercício do poder público.


09 / 06 / 2005

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