sábado, 17 de janeiro de 2009

SALVEMOS O ÚLTIMO VERDE DO SÍTIO PICI

Os bairros Henrique Jorge e Jóquei Clube em Fortaleza tiveram o privilégio de ter uma moradora ilustre, a escritora Rachel de Queiroz. Ali existia o Sítio Pici, a cancela de entrada era na Rua Pe. Sá Leitão com Monsenhor Hipólito Brasil. Acima da cancela havia um arco com o nome Sítio Pici e no centro o Casarão onde Rachel escreveu seu primeiro livro, O Quinze. Bem próximo da Casa havia um açude, com afluentes do Riacho Cachoeirinha que nasce nos bairros Santa Fé (João XXIII) e Jóquei Clube. O verde prevalecia com paisagens de bambu, coqueiros, mangueiras, cajueiros e outras fruteiras. Nos alagados, os siris, caranguejos e nas águas os peixes e as garças, nos galhos das arvores os pássaros cantando e na mata os camaleões, teús, calangos, preás e no roçado ossadas de gado. Segundo moradores freqüentadores daquela casa o gado vinha das secas do Sertão de Quixadá, já chegavam ali magros de fome e às vezes não resistiam.
Lendo a memória da escritora Rachel de Queiroz sobre o Sítio Pici, identifiquei em uma foto, ela caminhando mais sua irmã sobre a parede do Açude do Sítio, quando ali moraram ainda bem jovens.
Aquela foto me surpreendeu e fortaleceu o espírito de enfrentamento de defesa daquela área verde, última existente da memória histórica do Sítio Pici. Até me emocionei quando lembrei que em 1966 quando cheguei a Fortaleza, também caminhei naquela parede do Açude, apesar de estar quebrada um trecho, mas ainda acumulava água e juntava animais naquela paisagem, muito verde, cheia de arvores, fruteiras e mata virgem.
No convívio com famílias que moram nessa região desde os anos 40, década em que a escritora ali morou, colhi histórias belíssimas sobre a beleza da natureza, as águas do Riacho e do açude eram limpas e cristalinas, as mulheres lavavam roupas nas cacimbinhas à beira do Riacho e as crianças tomavam banho e pescavam. Era um encontro de convívio do ser humano com o meio ambiente e ao mesmo tempo de lazer.
Esse visual que retrata um pouco dessa história que contrasta o urbano com o rural no município de Fortaleza, pode está chegando ao fim. É que o último espaço verde ainda existente do Sítio Pici, exatamente onde havia o açude, está à venda.
O Casarão continua ainda intacto, por generosidade da construtora que loteou o Sítio e deixou quatro famílias residindo nele, como forma de preservar.
Os movimentos sociais e culturais dos bairros no entorno do Sítio Pici, desde o início da década de 80, época das primeiras construções de moradias no loteamento vem num processo de resistência tentando sensibilizar os puderes públicos sobre a importância desses espaços para a cidade, do ponto de vista da preservação cultural, ambiental e lazer.
O Movimento Pró Construção do Parque Rachel de Queiroz, juntamente com o Espaço Cultural Frei Tito de Alencar – ESCUTA realizaram dia 15 de agosto 2008, a Trilha Cultural com o tema: Os caminhos da escritora Rachel de Queiroz no Sítio Pici.
A intenção é despertar a sociedade para a defesa da urbanização dessa última área verde restante no bairro Henrique Jorge, que é exatamente o leito do açude. Os movimentos articuladores da Trilha Cultural defendem que esse verde, seja entregue a comunidade como área de lazer, oferecendo melhor qualidade de vida à população.
Na pauta cultural está também o tombamento da Casa onde a escritora morou. A proposta é que seja transformada em biblioteca pública e exposições de artes como forma de estimulo a leitura e valorizar as artes em lugar que simboliza a literatura.
A grande surpresa dos movimentos sócias e culturais foi encontrar no dia 13/09/08 em vez de uma placa dos poderes públicos intervindo urbanisticamente na área, esta lá bem do lado da Praça da Igreja do Henrique Jorge uma placa em um poste da Avenida Heribaldo Costa com os dizeres VENDE-SE e a seta apontando para o “açude”. A indignação de repente se manifesta, aí falei para o Jucelino, que estava do meu lado. Só falta dizerem “vende-se um açude”. E comentava, é mais um desprezo pela preservação da cultura de um povo, de uma cidade. É a ausência da sensibilidade humana e a ganância manifesta de forma predadora da vida. É a indiferença do poder público com a preservação dos mananciais urbanos. Talvez não demore, em um curto espaço de tempo o “açude” será aterrado.
Nesse olhar sobre o desprezo do poder público, na passagem da Trilha, foi observado que nessa mesma área, do outro lado pela Rua Edgar de Arruda com Antônio Ivo tem uma construção obstruindo o canal de concreto feito pela prefeitura. É uma obra de drenagem feita no que já foi um Riacho afluente do açude.
Mas não é só isso, pela Rua Mons. Hipólito Brasil na mesma área verde, já foi aterrada uma parte e construído prédios e apartamentos que estão alugados no único terreno público dessa área.
A história não pára aqui, esse terreno no Henrique Jorge, é parte da área em que a própria Prefeitura de Fortaleza, elaborou o Projeto Parque Rachel de Queiroz, que custou 400 mil reais, pago pela Prefeitura a UECE/IEPRO. É também o Projeto que foi aprovado no Orçamento Participativo de 2005 na SER III. É o projeto que em 2008 foi defendido em Audiência Pública na Câmara de Vereadores e na Assembléia Legislativa. É o projeto que deputados e vereadores se comprometeram em liberar recursos de bancada para dar inicio as obras. É o projeto parte da carta do Grito dos Excluídos de 2008.
Pelo visto, não basta só se indignar, é necessário gritar, ou até acampar exigindo atitudes dos gestores públicos na preservação do verde, a serviço do bem estar e da qualidade de vida dos seus munícipes.

Leonardo Sampaio
Educador
20/09/08 reformulado 13/12/08

Um comentário:

Unknown disse...

Sou professor de duas escolas no bairro Pici e Henrique Jorge, não conhecia esse projeto. Será que seria possível uma palestra sobre o tema ou mesmo uma aula de campo com alunos que fazem parte dessa comunidade para chamar atenção a esse problema? divulgar nas escolas é uma forma de envolver a comunidade nessa luta.