Leonardo Sampaio
Em 1986, na
gestão da ex-prefeita Maria Luíza (PT), fui diretor do Centro Social Urbano
César Cals, conhecido popularmente apenas pela sigla “CSU”. A Base Velha servia de “desova”: grupos de
extermínio jogavam corpos lá, dentro do mato. Então reuni os times de futebol
da área e criamos a Liga Esportiva do Pici e resolvemos desmatar a Base Velha construindo Campos de
Futebol consegui com a prefeitura dois tratores e em pouco tempo tínhamos 18
campos feitos, mais quatro dentro do Campus da UFC já existentes e logo foi criado o
Campeonato da Liga, que se tornou um atrativo e todos os domingos a Base Velha
era lotada de torcedores e comércio ambulante.
Em 1987,
passei a ser Secretário de Habitação de Fortaleza e trouxe para as Comunidades
do Pici (João Arruda) e Papoco o Projeto de recuperação de casas. Todas as casas de
taipo nas favelas do Pici e Papoco foram construídas de tijolo, em regime de mutirão.
Em 1990, chegou
no Pici o Projeto Prorenda da GTZ alemã, que eu havia articulado em 1987, com a
Prefeita Maria Luiza e o governo da Alemanha, numa parceria com o Gov. do
Estado, a Prefeitura de Fortaleza e a Comunidade local, sendo levado também
para os bairros: Couto Fernandes, Pirambu e Conjunto Palmeiras.
Com a
efervescência da luta por moradia, que articulei junto com a União das
Comunidades da Grande Fortaleza e a União das Mulheres Cearenses, desencadearam
muitas ocupações de terra em toda a Cidade, pois havia um programa contra a especulação
imobiliária e por moradia popular.
Nesse
período houve muita repressão policial em toda a Cidade comandada pelo
Secretário de Segurança Pública do Estado do Ceará, Moroni Torgan. No Pici os
despejos foram demasiadamente violentos por parte da polícia. Os despejos que
houveram na Comunidade do Feijão, próximo ao Colégio Júlia Giffonni, foram
parar na Delegacia do 10º Distrito e os ocupantes resolveram invadir o CSU
César Cals e ficaram abrigados lá por algum tempo, até que a prefeitura
cadastrasse cada família. D. Marina e D. Maria Boneca (Mãe do cantor Naldo
José) eram as lideranças. Outro despejo foi ao lado da Favela da Fumaça onde
hoje é um conjunto habitacional. Lá a liderança era a Lucimar, que sofreu
repressão policial, mas colocou literalmente o dono do terreno pra correr, com
um facão na mão. Estes fatos foram registrados em matérias de jornais da época,
inclusive fotos da ocupação.
Com a onda
de ocupações desordenadas, o Movimento dos Sem Teto e a União das Comunidades
da Grande Fortaleza cria a estratégia de ocupar grandes áreas de terra em toda
a Cidade e a Irmã Mona que fazia parte das reuniões chegou a me convidar para uma
reunião no Salão ao lado da Capela da Penha, na Bela Vista, para programar a
ocupação da Base Velha. Fui junto com a Lúcia, minha companheira. Foi dessa
luta que surgiu a ocupação do que é hoje o Planalto Pici.
Em 1989, o
Prefeito era Ciro Gomes (PSDB), que se manifestou em defesa dos proprietários
de terra e junto com o Governador Tasso Jereissati (PSDB) e Moroni Torgan (PFL,
ex-Arena e DEM) comandaram uma grande repressão policial contra os ocupantes de
terra. Várias pessoas foram espancadas com cassetetes, algumas tiveram fraturas
nas costelas, nos braços e clavículas.
Foi um massacre terrível contra os pobres que queriam apenas um pedaço
de terra para morar. A reflexão bíblica era feita pelas Comunidades Eclesiais
de Bases – CEBs, do livro do Êxodo em busca da terra prometida.
As
autoridades governamentais em vez de resolverem o problema da moradia, passaram
a me perseguir como responsável pelas ocupações. Fui chamado pelo Secretário de
Desenvolvimento Social e o comandante da Polícia Militar porque souberam que
Leonardo era quem comandava as ocupações e queriam me intimidar. Na ocasião da
reunião com eles, responsabilizei o Estado pelo massacre contra as pessoas
pobres, indefesas que queriam um lugar para morar. Na verdade estive presente
em muitas ocupações orientando que deveriam buscar o Governo ou a prefeitura
para regularizar a terra desapropriando, se fosse particular em caso. O que fiz
quando fui Secretário de habitação na Prefeitura.
Em 1990, o
Governador era Ciro Gomes (PSDB) e quando os Sem Teto chegaram organizados
ocupando grandes terrenos ociosos, como o Aírton Senna, São Bernardo e a Base
Velha, ele recuou porque organizado passou a cobrar regularização fundiária e
urbanização das áreas ocupadas, como era o caso da ocupação da Base Velha Pici,
em que a Associação de Organizadores Sociais e Serviços – AMORA, foi convidada
pelo Estado por meio do Centro Comunitário Mirian Mota para ser a Entidade
representativa da ocupação, a AMORA respondeu que seria melhor ser criado uma
Entidade da própria ocupação. Foi aí que chegou a Toinha, vinda da Pastoral da
Saúde e a Irmã Mona orientou-a a criar uma Associação de Moradores, daí veio a
criação da Associação de Moradores do Campus do Pici – Amocap, que foi
fundamental para dar continuidade a todo esse processo de organização da
ocupação, definindo o tamanho dos lotes, a largura das ruas e fazendo o
cadastramento de todas as famílias que ali iam chegando.
Então,
todas as conquistas dependeram das organizações populares, nada chegou por boa
vontade dos governantes e sim pelo luta do povo, por isso que chegou o saneamento
básico no Planalto do Pici pra ser o que é hoje.
Precisa
ficar claro que não foi o Ciro Gomes que deu o terreno, isso é falso, o que ele
fez foi o saneamento básico, esgoto, água e calçamento. Que era o que o
Movimento popular cobrava do governo.
O Pici
agora tem um novo avanço, que é a criação por meio de Decreto da Prefeitura, da
ZEIS - Zona Especial de Interesse Social do Pici, para a regularização
fundiária e planejamento urbano. A luta continua.
Esses
escritos são para registrar essa memória e servir de estudos e pesquisas.
06/10/2018