TEXTOS e POESIAS

Cercadão, uma história inédita


Caucaia, 02 de janeiro de 2011

Leonardo Sampaio
Pesquisador, educador e pedagogo

A Comunidade Cercadão dos Diceta localizada no município de Caucaia, no Estado do Ceará, tem uma particularidade inédita sobre a presença do negro no Brasil. Ali existem 156 famílias que segundo a história dos ancestrais chegaram na localidade em 1710 refugiados de uma embarcação que naufragou nas costas dos mares do Icaraí em Caucaia. Pelos relatos contados por seu José Gomes dos Santos, 83 anos, membro da Comunidade Cercadão, o navio saiu do Norte da África com uma tripulação fugindo de uma grande enchente e ao chegar nas proximidades da Barra do Ceará a embarcação encalhou e dele desceram dois homens e uma mulher de nomes: “Manoel Gomes dos Santos, Tereza e o outro com apelido de Cóca”. Segundo seu José, seus ancestrais contavam que conseguiram chegar até uma terra desconhecida, onde só tinha matas e dunas, e em cima da duna fincaram um marco que foi dado o nome de Rumo, como ponto de referência, e ali fizeram um casebre de palha para morar. Seu José complementa a história dizendo que: “Manoel e Tereza se casaram e tiveram 3 filhos Raimundo, Emídio e Luiza. Raimundo casou com Joana e tiveram 12 filhos e ele (seu José) é um deles que se multiplicaram e habitaram as terras, dunas e praias da região, desenvolvendo atividades produtivas de criação de animais, pesca e agricultura (arroz, milho, mandioca, cana de açúcar e fumo) e só depois surgiram coqueiros, cajueiros e mangueiras. Ele lembra que ao longo dos anos devido a uma fonte de água, foram chegando pessoas com animais e mercadorias e começaram chamar o local de “Pacavira”, por ali ter uma planta nativa ao redor de um poço d’água, e que do lado do poço havia um Olho D’água, que era a única fonte de água doce da região, o que levava a população vizinha a ir buscar água e deram o nome de “Buraco dos Baianos”. (História do Cercadão – 2010, pesquisa das educadoras do Projeto Mova Brasil, Maria dos Prazeres e Franciane Santos). Elas são moradoras do Cercadão e integrantes da própria família e às orientamos a buscar a histórias de sua comunidade, para compor o trabalho pedagógico de alfabetização e por surpresa delas, descobriram essa relíquia de história, que até então não conheciam e talvez o Ceará e o Brasil não conheça.
Dona Maria dos Prazeres, educadora e líder da comunidade, conta que na década de 1970 começou a chegar “coronéis” (não cita quem são, porque pode assanhar o mau de volta) se dizendo proprietários das terras e queriam expulsá-los fazendo cercas, foi aí que os moradores reagiram e resistiram, “de dia eles construíam a cerca e de noite as mulheres com os homens ia lá e derrubava”. Ela diz que devido a essa luta um homem rico da região por nome Francisco Martins de Morais, resolveu “ajudá-las” e bancou um processo de Usucapião em favor da comunidade e em troca ele ficaria com parte das terras. Em 13 de outubro de1978 a comunidade ganhou o Usucapião da terra com 1516,00 metros de frente e 2269,00 metros laterais, segundo Reg. 1785 do Cartório Carolina Paula em Caucaia. Essa área corresponde ao Sítio Munguba nas margens do rio Tabuba e se estende até a praia do Icaraí. Conforme documentos cartoriais, o “generoso” Morais, em 24 de outubro de 1978, certificou no Cartório Carolina Paula a compra de 167,5ha., adquirido dos proprietários do usucapião, deixando a comunidade em uma pequena gleba de terra aos fundos, distante da praia. Em 24 de outubro de 1991 o Sr. Morais vendeu parte da terra, para a Construtora Camará, de Abrahan Lincoln Sá de Morais, (AV. 03-1785 do Cartório de Imóveis de Caucaia) e esse loteou as dunas até a praia de Icaraí.
A Comunidade negra, com a posse da gleba de terra, restante, cercou toda a área, por isso, o nome Cercadão, localizado no Icaraí.
Enquanto isso, Dona Francisca Paulino de 98 anos, fala sobre a religiosidade afro, a mediunidade na família, as plantas medicinais, as benzedeiras, rezadeiras e dos orixás como elementos de raízes afrodescendentes.
O artesanato era parte da geração de renda, com produção de chapéu de palha da carnaúba, uru, bolsas e outros.
Em reunião no dia 21 de Janeiro de 2011denominaram de: Comunidade Remanescente Quilombola Cercadão dos Dicetas. 


QUILOMBO DO CÓCA
Mas, essa história não para aqui, com esta descoberta, as pesquisas continuam e fui atrás de encontrar o Cóca e tive informações que ele se instalou em uma área de terra no Icaraí por trás da Escola Celina Sá e lá constituiu família. No dia 21 de janeiro de 2011, fui até lá e a primeira pessoa que avistei foi uma jovem lavando roupa em uma casa, lá dentro do terreno cheio de mangueiras e plantações. Era a Raimunda, me apresentei como pesquisador e Assessor da Secretaria de Governo e Articulação Política de Caucaia. Estava chovendo, bom para as plantas, ruim para lavar roupa, foi uma forma de descontração e entrosamento e assim deu-se o inicio a um diálogo sobre aquela localidade e as famílias de lá, quando indagada sobre a origem daquele povoado, ela foi dizendo que: “todas estas casas daqui são da família do Seu Eleutério e que ela ouvia falar que ele era dono das terras do Icaraí, por isso até a Rua se chama Eleutério Pereira em sua homenagem e mostrou as casas onde mora as filhas e filhos dele”. Raimunda é nora da Fátima, mora lá há 11 anos, tem um casal de filhos e sua família é da Lagoa do Barro em Caucaia.
Fui até a casa da D. Maria José Pereira da Conceição (Zenaide) 68 anos, ela disse ser filha do Eleutério Ferreira dos Santos e D. Ana Ferreira dos Santos, já falecidos e que deixaram 22 filhos/as Falou o nome de alguns, Anita, Zenaide, Fátima, Maria, João “Pancão”, Adriano, Raimundo “Chumbim”, Cosmo “Coinha”, Chico “Quebra Côco”, Francisquinha, Nati, Milton “mora em São Paulo”, Josias, Manoel, Aloísio, ..., e seu avô era Raimundo Pereira dos Santos e a avó Francisca Tertulina dos Santos e viviam da agricultura com plantações de batata, feijão, milho, mandioca e tinham engenho e casa de farinha e eram donos das terras do Icaraí. Seu marido o Sr. José Pereira da Conceição (o Careca) 76 anos é filho do Alfredo do Cercadão dos Diceta. Fui assim tendo a comprovação da aproximação com o Cercadão, perguntei se ela já tinha ouvido falar de uma pessoa com nome de Cóca naquela localidade, ela disse que não. Aí contei a história do Cóca, ela se assustou, olhou para a filha Nita e disse, “por isso que tem pessoas que chama nós de coca e não sabia porque”.
Essa comunidade tem as mesmas características do Cercadão dos Diceta e dos Paulino, ela fica localizada por trás da Escola Celina Sá, bem próximo ao Clube do Icaraí.
Continuei a pesquisa e de fato havia um Sr. com o nome Cóca, que é o pai do Eleutério e que era o dono das terras do Icaraí desde o Cercadão até a Estrada velha do Icaraí. Há ali, um cercado com as características do outro e agora as filhas da Zenaide Ana, a Patrícia e outras estão curiosas e me chamaram lá para uma reunião com os moradores e fui. São todos da mesma família e proprietários das terras onde moram, com papel passado, como se diz popularmente. Diante destas informações a Ana, a Patrícia, resolveram agora buscar documentos nas famílias e em cartórios para identificar suas origens e o que já identificaram tem todos os indícios de aproximação as famílias do Cercadão dos Dicetas.
Esta história, mais uma vez contrasta a versão oficial, em que se dizia que no Ceará não tem negro.

A pesquisa
Essa pesquisa é parte do resultado de um trabalho continuado de intervenção dos alunos Leonardo Sampaio e Iran sob a orientação da professora Geranildes, realizado no Cercadão, com o CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E DOS AFRODESCENDENTES PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE QUILOMBOS, pela Universidade Federal do Ceará e o Núcleo de Africanidade Cearense – NACE. Na ação de intervenção continuada, houve duas oficinas em parceria com as Secretarias de Governo e Articulação Política, Secretaria de Educação de Caucaia, a Rede de Educação Cidadã – RECID e o Espaço Cultural Frei Tito de Alencar – ESCUTA, com execução de oficinas sobre ritmos afrobrasileiro e a batida dos tambores com a musicalidade e a dança afrodescendente.
Além disso, iniciei no dia 21/01/2011, com a Advogada Dôra assessora jurídica da Secretaria de Governo de Governo e Articulação Política de Caucaia e Cícero da Secretaria de Assistência Social, estudo com bastante gente da comunidade, sobre estatuto de entidade filantrópica com características quilombola e daí já denominaram de: Comunidade Remanescente Quilombola Cercadão dos Diceta.