quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Apartheid sócio-territorial

Opinião – Jornal O POVO

26/08/2008
Leonardo Sampaio
Educador Popular

A gestão pública é como um instrumento identificador dos processos de desigualdade socioeconômico e socioambiental da Cidade como podemos ver a infra-estrutura urbana em Fortaleza, o desnível de equipamentos públicos e privados encontrados do lado Leste e Oeste da Cidade. Do lado Leste circulam os maiores investimentos de capital privado e público com estrutura urbanística voltada para servir a elite dominante, política, empresarial e turística. Elite essa, que ao longo dos anos governa a Cidade dentro de um apartheid sócio-ambiental, com políticas de desfavelamento da região, transferindo os pobres para o lado Oeste e Sul (Conjunto Marechal Rondon - Jurema em Caucaia e Conjunto Palmeiras) em péssimas condições de moradia, situação, que levou a uma resistência das comunidades faveladas do lado Leste, exigindo permanecerem onde estavam, mas, com melhorias de vida, construindo equipamentos públicos capazes de atender suas necessidades, como urbanização, construção de moradias, reforma de casas, escolas, postos de saúde, água, esgoto e outros. O que resultou na construção dos Conjuntos Santa Luzia, Santa Terezinha e Santa Joana D´Arc.
Já no lado Oeste residem as classes trabalhadoras pobre e média, a classe média tenta intermediar um padrão de vida, com as estruturas do Oeste e a pobre padece da discriminação e arrogância da Gestão do Estado burguês distanciando-a da felicidade humana, o Oeste da Cidade de Fortaleza, é o lado em que a gestão pública nega até os direitos constituídos em toda sua amplitude como qualidade de vida. Negação essa, que leva esse contingente populacional, ocupar espaços vazios, muitas vezes inadequados a moradia, como: mangues, margens de açudes, rios e riachos sufocando o verde tão necessário à vida.
É nesse pouco verde que resta, aonde nasce a resistência dos moradores da região Oeste pela preservação e construção de equipamentos urbanísticos que venham assegurar dignidade e vida a essa população penalizada pelas gestões públicas, diminuindo assim, o processo de apartação sócio-territorial da Cidade de Fortaleza.

Políticas para juventude, violência e drogas ilícitas.

A sociedade ao longo dos tempos vem discutindo políticas para juventude. Talvez seja necessário problematizar o tema como forma de ajudar a refletir melhor, na busca de encontrar as situações limites que envolvem a juventude. A principio é importante identificar os seguimentos sociais, étnicos. É pertinente questionar: São políticas a serviço de qual juventude? A que classe ela pertence? É a juventude do campo ou do espaço urbano? E que espaço urbano é esse? É da praia, do bairro chique, do condomínio, da periferia, da favela, ou das mansões? Quais são os anseios e desejos de cada parcela desses seguimentos jovens? Quais os processos culturais, econômicos, educativos, éticos e princípios perpassam a vida destes contingentes jovens? Qual a formação cidadã está chegando até as mentes férteis destes jovens cheios de criatividade e sonhos? Quais origens étnicas e de raças pertencem esses seguimentos da juventude? A violência e o uso de drogas ilícitas que permeiam o mundo da juventude é uma questão de classe? É uma questão de ignorância? É o meio em que vivem? É uma fuga? O que leva o jovem a aniquilar-se?
São questionamentos com muitas respostas, que variam de acordo com o olhar do seguimento aonde eles chegam. Conforme o ideal da instituição, pode-se encontrar viés de respostas diferenciadas que vão desde as questões teóricas, teológicas, filosóficas ou do senso comum. As organizações sociais quase sempre têm respostas prontas ou quase prontas apontando soluções direcionadas a um mundo de coisas, como: o esporte, a arte, a cultura, a educação, a geração de trabalho e renda, a crença com oração e louvor, a espiritualidade, o engajamento sócio-político, a família equilibrada, os governos, o fim do capitalismo, a construção do socialismo, políticas públicas adequadas, etc.
Ao provocar esta discussão, aponto um espaço geográfico pequeno, mas significativo para se tentar buscar no pensamento teórico e o exercício da praticidade das instituições públicas e civis que convivem com um desses seguimentos da juventude na periferia de Fortaleza. Mais especificamente ao lado da cerca que separa o Campus da Universidade Federal do Ceará – UFC, no bairro Pici.
Ali no Pici existe um contingente habitacional de 45 mil moradores (SER III), entre crianças, jovens e adultos. São pessoas que sofrem permanentemente agressões do estado capitalista, que impõe sobre a vida de grande parte delas a fome, o desemprego e coloca-as numa situação de subvida humana.
São situações que revelam a ineficiência do estado diante do quadro e que traz indignação, incomoda, gera inquietações e desafia cidadãos/ãs conscientes a buscar encontrar respostas. Nessa busca vamos percebendo que as luzes aparecem no fundo do túnel, através das várias formas de intervenções sócio-assistenciais, educativas, esportivas, culturais, espirituais, existentes nesse espaço geográfico de Fortaleza.
São intervenções executadas por meio de variados segmentos públicos e da sociedade civil. No entanto, se deparam com o mundo das drogas e da violência envolvendo todas as faixas etárias. Estas intervenções não conseguem amenizar a onda de eliminação física entre a juventude, proporcionada pelo comércio e uso das drogas ditas ilícitas.
Para se ter uma idéia da dimensão dessa violência, só nos últimos dois anos (2007 – 2008) mais de quarenta jovens e adolescentes foram eliminados, ceifadas suas vidas. São jovens matando jovens, além dos que se encontram nas prisões. São todos envolvidos com as drogas ilícitas, principalmente a maconha e o crack.
Por que tanta violência? Será que esse nível de violência poderíamos dizer que é uma questão de classe social? Ou será o modelo de sociedade que está sendo gestado na globalização? Para a sociedade do mercado mundial, a dependência química não faz girar capital? Quem no mundo global se beneficia com a produção e o comércio das drogas?
Pelo que observamos, a produção dessas drogas dependem de largas extensões de terras e a circulação é por mar, terra e ar. Portanto não são os pobres que estão nessa produção e mercado, mas o grande capital. Os pobres são apenas as vítimas, para servir de amostragem midiática da repressão do Estado. As batidas policiais estão nas favelas e periferias. E os cassinos, ...? Li um artigo na década de 70, dizendo que 60% do parlamento americano já haviam feito uso de drogas. Não é a toa que banalizam a vida, produzindo guerras no mundo, em busca do mercado de capital.
O grande problema nesse mundo da droga é que os jovens passam a banalizar a vida e entrar no crime.
Aí é que me parece necessário trazer o debate, para buscar o campo gerador da banalidade da vida, no meio dos jovens dependentes químicos.
Será que essa banalidade da vida se apresenta como negação dos valores humanos, filosóficos, éticos, numa tentativa de impor a liberdade do indivíduo, não como direitos e deveres e sim como um mundo que está sendo construído em torno de si? E que mundo é esse? É o mundo que torna os jovens “heróis”, libertos das amarras institucionais do Estado e da família?
Poderíamos até perguntar se estas questões envolvendo a juventude não estão relacionadas com a qualidade da educação. Mas não são os analfabetos que sustentam o tráfico de drogas nas favelas nem são os pobres, porque esses nem dinheiro têm para comprar, o pouco que consomem, roubam um celular, um tênis, fazem um bico ou comercializam os produtos da droga pra classe média e rica. Essa sim tem dinheiro, consome e sustenta tráfego em geral. A diferença é que eles não incomodam a “sociedade”, entram e saem, a segurança apenas mapeia, registra e ignora porque são “pessoas de bem”, quase sempre do meio cultural, artístico, acadêmico, empresarial. Já os pobres, ficam sobre a mira da repressão, do castigo, do crime, da extorsão, são acusados de transgredirem a lei.
Quanto à educação sabemos que no Brasil ela se molda pelo modelo do estado capitalista e é direcionado de acordo com os interesses que o mercado exige, no seu tempo. Portanto a educação não tem como objetivo formar cidadãos/ãs, mas sim, capacitar os indivíduos para o mercado de trabalho e o consumo no mundo capitalista.
Já a questão da violência, do tráfico e do consumo de drogas são temas que me parecem pertinentes que a sociedade e o Estado devem buscar encontrar respostas porque não se trata apenas da ilicitude, da criminalização ou de questão moral. O problema é que o jovem usuário muda radicalmente o comportamento: eles se tornam agressivos com a família e refletem a agressão na sociedade. Uma rebeldia sem causa.
As mães são quem mais sofrem estas agressões. Tenho conversado com algumas mães que falam que os filhos ou filhas assumem atitudes extremamente individualistas e ao serem cobrados, chegam a ameaçá-las de espancamento, tratá-las com palavrões e não mais as obedecem, querem viver na rua com os ditos amigos e o pior, ainda fazem da mãe escrava: ela tem que dar conta de tudo, lavar roupa, engomar, dar alimentação, logo geram filhos/as aí a avó vai ter mais uma tarefa, cuidar das netas ou netos. Os conflitos com irmãos ou irmãs se acirram. Enquanto que “no meio da galera” são pessoas livres, independentes. Tentam se justificar com atitudes de negação dos direitos coletivos, vive o individualismo e ainda relaxam sobre seus deveres e obrigações.
O debate deve ser mais profundo, porque sabemos das muitas ações que são exercidas pela sociedade organizada e pelo Estado, mas parece um grão de mostarda no deserto, diante dos poderes “extra-oficiais” que arrebanham jovens para a criminalidade. São jovens que estiveram na infância e adolescência em programas de políticas públicas, desde a creche, escola, os PETIS, Fome Zero, nos trabalhos sociais das ONGs e Igrejas.
Porém, todo esse trabalho é insuficiente ou mostra-se incapaz de direcionar os jovens para o bem. Fica patente que o tráfico tem poder de convencimento mais eficaz que todas as instituições, mesmo sem oferecer vida em abundância (Jesus), apenas lhes favorecem a fuga e o imediato que é o sonho de falsa liberdade. A liberdade da família e o vôo para o mundo livre, sem amarras, na busca da aventura, uma aventura sem perspectivas futuras, mas que os tornam “heróis” no mundo deles. O mundo em que estão, o mundo presente, o mundo egoísta, do eu, “eu sou o máximo”.
Os deserdados do mercado formal encontram nas forças extra-oficiais a sobrevivência, entrando no mercado de “trabalho” no campo da marginalidade onde há vasto espaço de geração de renda. São pessoas que tem sonhos, mas não vislumbram espaços de concretude e aí a vida vai se banalizando, dentro da concorrência do mercado das drogas ilícitas, até o fecho da violência.
E o desafio é: Como acolher o indivíduo que não vislumbra sonhar com outra alternativa no mercado formal tecnológico que o exclui?
Não são os delinqüentes, maioria, mas os poucos que tem, o estrago que causam é imensurável, desde a família, à sociedade e ao Estado. O poder público chega a deixar de investir em educação, para investir em segurança e saúde devido a tantos danos causados pelos efeitos das drogas.
Diante desse panorama: O doloroso é ver pais e mães destes jovens tentando de todas as formas salvá-los. Mas os caminhos cada vez mais vão estreitando, são raros os que conseguem sair do caminho das drogas, porque se sair é covarde, se ficar não tem retorno e ficando, o vício o consome e o vício o dominando, a sustentabilidade começa com furtos de objetos da família, posteriormente leva-os a agir fora da lei, ao crime.
A crise do capitalismo mundial se agrava, a social democracia foi engolida pelo neoliberalismo, os partidos de esquerda tentam a governabilidade do estado burguês e o socialismo é um processo lento em construção, principalmente depois da queda do muro de Berlim.
Mesmo assim, acredito na utopia e no sonho de que um outro mundo é possível. É bom nos perguntarmos: Que mundo precisa ser construído? Que modelo econômico precisa ser implantado? Que sociedade precisamos construir com a juventude?
Vamos juntos refletir, agir e refletir (Freire)?

Leonardo Sampaio
Pedagogo
08/10/2008

Fortaleza esta livre: II turno é um mercado de negócios.

Leonardo Sampaio
Educador Popular

Não pude ver coisa pior na política do que um segundo turno, parece um mercado de negócio, uma feira de venda e troca.
Vivi a experiência de segundo turno na disputa eleitoral entre Inácio Arruda e Juracy Magalhães. Estava lá na coordenação da campanha e presenciei uma avalanche de candidatos a vereadores, partidos políticos, religiosos, cabos eleitorais todos perdedores das campanhas adversárias. Eles vão chegando à porta do candidato propondo negociata dos votos que se dizem proprietários e transformava-os em mercadoria pra negócio, sem o mínimo de pudor, princípio, nem ética na política.
É na cara de pau, muitos falam que já foram no adversário negociar, mas não chegaram a fechar o negócio, outros dizem: “eu vim aqui fazer uma oferta de negócio, se não der certo eu vou no outro candidato” e aí vão apresentando as vantagens do seu produto e chegam até dar garantia do volume de votos.
Os custos do produto variam de acordo com o perfil de quem oferta, do volume ou até da necessidade.
Quando o dono do produto é uma instituição religiosa ou “pilantrópica” normalmente a venda é a dinheiro vivo. Quando é instituição política, o custo são cargos na gestão e quando é pessoa física, o próprio candidato ou cabo eleitoral é o valor em moeda viva.
E o pobre eleitor não sabe de nada disso, mas também faz suas exigências que variam de acordo com seus padrões de vida, é uma escola, uma creche, infra-estrutura, é moradia, atendimento médico de qualidade, educação de qualidade, política de turismo, é geração de trabalho e renda, bolsa família, cursos de qualificação profissional, créditos financeiros e uma variedade de outras cobranças que assegurem qualidade de vida.
Fortaleza está livre do segundo turno, o eleitorado fez um grande bem a essa Cidade ao decidir a eleição no primeiro turno.
Sabemos o quanto sofremos na gestão ainda em curso, com os produtos políticos de pouca qualificação técnica para as funções e que transformaram os cargos em trocas eleitorais, principalmente nas regionais. São gestões inoperantes e o eleitorado tem outro perfil mais exigente sobre o gestor, ele quer política pública com qualidade de vida.
Mas parece que esse perfil técnico de gestão pública, não perpassou pelas regionais de Fortaleza, talvez tenha sido porque a prefeita foi eleita em um segundo turno, onde as negociatas políticas institucionais se deram e os gestores indicados para as regionais faziam parte das compensações de derrotas eleitorais dentro dos partidos e a gestão passou a ser uma coalizão com negociações de cargos.
Nas Regionais, cada uma era de um partido e os gestores indicados todos tinham perfis eleitorais pessoais, o que é fácil de ser identificado, basta denominar por Secretaria, na I - PC do B, Mariano de Freitas, na II – PSB, Rogério Pinheiro, na III – PV, Marcelo Silva, na IV – PT, José Maria e Deodato Ramalho, na V – PDT, Oriá, na VI – PSB, Mindelo.
O resultado desse modelo de gestão da prefeita foi muito precário do ponto de vista técnico, de estudos das ações executadas, os vícios internos da máquina permaneceram e ainda com péssima qualidade.
A prova disso: basta ver os resultados eleitorais de vereadores, todos estes secretários das seis regionais, foram candidatos a vereador e nenhum foi eleito, o mesmo aconteceu com o segundo escalão das Regionais, Luis Arruda, Prof. Elói, Manoel Carlos e até o Almir (talvez tenha outros que não identifiquei).
Há um outro alinhamento político de gestão pública local que é o vereador dito “do bairro”, que sempre se utiliza dos equipamentos públicos para fazer currais eleitorais. Nessa eleição, o eleitorado rejeitou essa tradição, vejamos: Maurício Assêncio, Didi Mangueira, Cacá, Hélder Couto, Narcilio Andrade, Nelba Fortaleza, Alri Nogueira, Carlinho Santana e outros ainda anônimos na mídia.
Espero que Fortaleza nessa gestão sem segundo turno, se defina pelo perfil técnico, de amadurecimento profissional e execução das políticas públicas.
Uma gestão capaz de contribuir com a desconstrução do estado burguês, que avance na construção de uma sociedade organizada, livre, soberana, igualitária, gestada pelo o poder popular.

Fortaleza, 07/10/2008